sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Reflexão (continuação)

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Eu, você, todos nós somos ‘socializados’: estamos aptos a viver de forma simbiótica na sociedade, integrados totalmente à cultura que nos rodeia. Se assim não fosse, não teríamos amigos, seríamos discriminados, apartados.
Mas como se dá a enculturação do indivíduo?
Tomando de empréstimo os ensinamentos do 'socrático' professor Filardi, sem esperar, claro, reproduzi-los com o mesmo brilhantismo sarcástico, imaginemos um recém-nascido. Não há, ainda, cultura alguma adquirida por ele. Essa criança precisará aprender os símbolos culturais para que o processo de enculturação flua. Símbolos como a fala, os gestos, entonações de voz, escrita, servirão de ferramental a fim de que toda a bagagem cultural que a criança precisa adquirir lhe seja internalizada.
O condicionamento social começa desde cedo: “Isso pode, isso não pode”, “Isso é feio”, “Parabéns! Você é orgulho da mamãe”, “Isso é pecado”.
O “ensinamento” se assemelha ao processo de condicionamento utilizado para adestrar animais: punição e recompensa. Se a criança faz algo que agrade aos pais (algo 'certo', ou, em outras palavras, algo considerado adequado aos padrões de convívio social), recebe recompensa na forma de elogios, agrados, incentivo, presentes. Se, por outro lado, age de forma avessa às expectativas culturais, sofre punições (censuras, castigos, palmadas). Isso condiciona a criança a ‘adaptar-se’ a um padrão pré-estabelecido. Ela tem de aceitá-lo! Não tem opções.
Por volta dos seis anos a criança é elevada a um segundo nível de socialização: a escola. Lá, ela, que já aprendeu em casa a simbologia básica, será submetida a uma nova etapa de aprendizado de símbolos, valores e normas: a educação formal.
História, língua pátria, geografia, ciências biológicas, matemática - a educação formal. Cada disciplina cumprindo uma tarefa subjacente no processo de preparação do indivíduo para a plena integração social no futuro.

Começa a entender que sua língua lhe dá identidade, aproximando-o de alguns e distanciando-o de outros. Desenvolve raciocínio lógico, identificação com a pátria, conhece "heróis" nacionais. E, sobretudo, aprende um novo grau de disciplina – a disciplina coletiva.
Os métodos não são muito diferentes do que já se habituara: punição e recompensa: “Parabéns, você tirou dez! É um exemplo para a classe!” ou então “Que vergonha! Você não toma jeito mesmo, né? Foi mal de novo! Trate de estudar mais”.
Bem, à essa altura, nosso pré-adolescente já deverá estar quase totalmente ‘apto’.
Mas pode haver algum desvio. E ele será corrigido na próxima etapa: o ensino superior.
Ali o indivíduo será treinado para produzir! Aprenderá habilidades técnicas com um fim específico: ingressar no mercado de trabalho e concorrer! Concorrer, lutar, disputar, brigar, ser o melhor. E produzir! Sempre!
Esperavam o quê? Numa sociedade capitalista qual haveria de ser o objetivo final?
Caso haja, ainda, algum ‘desvio’ na formação integral do indivíduo, ele será ali corrigido. Mas ainda há uma chance (mínima) de algum resignado contestador ter sobrevivido. Aí então vem a prova final. O grande desfecho, a etapa derradeira: o casamento e os filhos!
Aqui, o ‘golpe de misericórdia’ naqueles que insistiram em não ‘dançar conforme a música’. E é óbvio que ele (ou ela) tem de se casar – caso isso não aconteça receberá punições intensas na a forma de censura: “Nossa! Você ainda não se casou? Precisa deixar herdeiros, heim?”. “Não vai deixar ‘sementes’, não?”. “Você precisa de alguém!”, “Se não tiver filhos, quem vai cuidar de você quando envelhecer?”.
A pressão é forte e constante.
E então acaba acontecendo! Vem o casamento. Vêm os filhos. E... pronto! A imprescindível instituição ‘família’ está formada. A socialização está completa!
Nas palavras do supra-referido professor: “Antes, se o patrão chegasse para o sujeito e lhe dissesse: ‘Você é um incompetente de merda, inútil e imbecil’, ele responderia: vai tomar no..., seu filho da ...!’ Mas, depois que seus filhos nascerem, ele responderá: “Perfeitamente, senhor! O senhor tem toda razão! Sou mesmo um merda!”.
É cômico e caricaturado, claro! Mas não se afasta muito da realidade.
Assim se dá a socialização.
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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Reflexão

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Olá! Bem vindo(a)! Hoje estou de ótimo humor e, por isso, quero compartilhar com você uma habilidade que desenvolvi com o tempo. É a seguinte: Eu tenho a habilidade de descobrir o 'conteúdo' das pessoas! Sim! Adquiri a habilidade de ler as mentes, ver os corações. Adivinhar pensamentos, expectativas, esperanças. E mais: faço isso telepaticamente! Assim, mesmo longe da pessoa, posso descobrir quem ela é! Duvida? Vou prová-lo. No próximo parágrafo descreverei VOCÊ! Preste atenção...
Você é alguém especial, apesar de as pessoas não lhe darem o real valor que você tem. Você sonha com um futuro melhor do que o presente, quer ganhar bastante dinheiro, ocupar um ‘status’ de prestígio. Sonha em encontrar um amor, ‘o amor’, o real, verdadeiro, arrebatador amor que arranca suspiros da alma e vivê-lo plenamente até o fim de sua vida. Quer viajar, conhecer outros países. Quer satisfação sexual plena. Quer tudo isso... porque conquistando tudo isso, você terá conquistado a felicidade, certo?
Viu?! Eu não disse que conseguiria ‘ler’ através de você?
Hum? O que você pensou? Que isso é bobagem? Que as coisas que eu disse são óbvias pois essas são as coisas que todo mundo deseja pra ser feliz? Exato! Esse era o ponto onde eu queria chegar! Antes que me tome por um charlatão, deixe-me explicar.


Obviamente eu não tenho capacidade para saber o que os outros pensam e nem gostaria de tê-la! Eu elaborei essa ‘brincadeira’ para ganhar sua concordância a respeito de dois pontos iniciais que desejo abordar: a) todo mundo quer ser feliz, e b) os elementos que todos buscam a fim de realizar sua felicidade são, basicamente, os descritos acima (bem, agora não adianta discordar! Foi você quem disse – ou pensou!).
Pois bem, dizem que a “unanimidade é burra” e eu concordo. Então eu lhe pergunto, por que fatores como sucesso profissional, riqueza, conforto, amor, paixão, sexo, entre outros, são unanimemente aceitos como sendo os pilares da felicidade?
A pergunta parece tola, mas... pense um pouco. Não lhe parece estranho que num mundo com cerca de seis bilhões de pessoas, todos creiam que exatamente os mesmos fatores trarão felicidade?
Ah... eu sei o que você pensou (estou ficando bom nisso!): “ei, não é bem assim! Em alguns países de cultura diferente da nossa, como a Índia, por exemplo, o conceito de felicidade é bem diferente!”.
Ótimo! Perfeito! Então estamos de acordo que o conceito de felicidade e, por conseguinte, as metas a se conquistar para alcançá-la, dependem da cultura em que se vive? Muito bom! Continuemos...
Tomando, então, por base de análise a nossa sociedade (ocidental, capitalista, cristã), em sua opinião por que é que esses elementos (sucesso, dinheiro, prestígio, amor, paixão, sexo) são, hoje, a base para a felicidade? “Porque sim” não vale! Por que estes fatores e não outros?
Ora, poder-se-ia ‘eleger’ quaisquer valores, correto? No Nepal não se jejua a fim de buscar a purificação e, por conseguinte, a felicidade? Por que não aqui?
“Ah, é por causa da cultura! Lá é diferente!”. Sim. Então, se você tivesse nascido no Nepal, você buscaria a meditação e o jejum para se aproximar da felicidade, certo? E como nasceu aqui, precisa buscar dinheiro, sucesso profissional, um grande amor...
Eu disse ‘precisa’ porque é exatamente isso: um imperativo (categórico!). Se não o alcançar sua felicidade será incompleta. Estou mentindo?
Já parou para pensar que você não teve escolha? O fato de ter nascido aqui obrigou-lhe a ‘buscar’ a realização dessas metas? Ou, de outra forma: alcançar o sucesso, um grande amor, dinheiro, tudo isso, tornou-se sua obrigação? Primeiro porque você se cobra. E se não o alcança, frustra-se. Segundo porque os outros te cobram. E nós dois sabemos bem como funciona isso...
“Quando você se formar, meu filho, você arrumará um ótimo emprego”, ou então “puxa, você ainda não trocou de carro?”, ou ainda “nossa, você não dá sorte no amor, né?”. Essas são algumas das infinitas formas de cobrança, censura, crítica a que estamos todos submetidos. A isso se dá o nome de “controle social”.
Outra pergunta: você já parou pra pensar em ‘jogar tudo pro alto’? Desistir de lutar (pense um pouco sobre essa frase!)? Tornar-se alguém ‘avesso’ às convenções, vender artesanato numa praia, morar num lugar afastado e comer apenas o que plantar? Se sim, qual foi a sensação que se seguiu a esse pensamento? Seria um misto de sensação de fracasso e vergonha. “O que os outros diriam?” ou então “E a minha dignidade, onde fica?”.
Hum... Percebe o poder do controle social? Ele age de dentro para fora e de fora para dentro. Você se censura, os outros te censuram. Você não tem escolha.
Ah, mas no fundo eu sei que você pensa: “não, essa é uma escolha minha! Eu decidi viver assim, ser assim. Essas são as coisas que eu gosto, que eu preciso pra ser feliz! Outra coisa não me fará feliz!”.
Bem, vamos analisar essa frase... Errado: a escolha ‘parece’ ser sua, mas ela já estava feita antes de você nascer! Errado: você não decidiu ser assim, pensar assim. Se você pensar, sentir e agir diferente será marginalizado como forma de punição. E, certo: você realmente precisa dessas coisas para ser feliz! Você foi condicionado a desejar essas coisas e a acreditar que só elas trarão felicidade.
Comece a agir diferente para fazer um teste. Mostre pensamentos diferentes, atitudes diferentes, aspirações diferentes... a primeira coisa que acontecerá é lhe perguntarem se você está bem. “Você parece estranho, hoje!”. “Fulano parece não estar bom da cabeça! Tem falado umas coisas estranhas!”. “Cuidado, você está com depressão!”.
Depois, se você não ‘se curar’, as pessoas começarão a se afastar de você. E se você insistir, virá a punição final: seu isolamento, sua solidão – o mais eficiente castigo social.

(continua)
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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Breve análise sobre as raízes das diferenças entre homens e mulheres (continuação)


Outras diferenças comportamentais encontram explicação no passado remoto.
Observe o comportamento masculino: homens não gostam de ser contrariados, tentam dar solução a tudo. Se a mulher lhe apresenta um problema, ainda que a título de desabafo, ele tentará resolvê-lo, pouco se importando com as lamúrias da mulher que, mal sabe ele, não esperava e nem queria ouvir as possíveis soluções, mas apenas ‘desabafar’.
Homens não admitem errar, principalmente se for o caminho a ser seguido num trajeto de carro ou em questões profissionais.
Tudo isso se deve ao fato de que resolver problemas, conduzir com segurança e precisão e triunfar profissionalmente são fatores diretamente ligados á segurança e sustento da sua família.
Note que não apenas fatores biológicos e psicológicos intervêm agora. O condicionamento sócio-cultural é forte fator de manutenção de hábitos seculares.
Por seu turno, a mulher apresenta peculiaridades comportamentais de difícil intelecção pelo homem. Uma delas é o fato de, via de regra, priorizarem a consolidação de relacionamentos com homens de posses materiais opulentas em detrimento dos menos abastados. É comum observar homens indignados com a constatação de tal fato. Julgam-nas ‘interesseiras’. Ouve-se, comumente: “Se eu tivesse um carro importado (ou uma fazenda, ou algo de valor monetário considerável), eu me daria bem!”. Provavelmente estejam certos, em parte dos casos. Mas não porque sejam interesseiras, as mulheres. A explicação, mais uma vez, remonta à pré-história.
Vejamos: na divisão de tarefas visando a sobrevivência, num passado remotíssimo, cabia ao homem prover sua prole, e à mulher cuidar dela. Puro instinto de sobrevivência! O objetivo era a manutenção da espécie, sua preservação. O foco principal era a prole, os filhos! Pouco importava à mulher os ‘belos olhos azuis’ do seu companheiro. Importava se ele os proveria – a ela e aos seus! Maior valor teria aquele que tivesse maiores condições de garantir o sustento visando o sucesso da raça na luta pela vida.
Nietzsche deve tê-lo vislumbrado (ou não!) quando, em meio a crises de ‘dor de cotovelo’ motivadas por uma tal Salomé, afirmou, com toques de amargura incontida, que, para a mulher, o homem é apenas um meio - os filhos são o fim.
O mesmo fato justifica outra observação comum na sociedade atual: a preferência feminina por homens ‘musculosos’. Ora, quem, no passado longínquo, teria melhores condições de prover a prole? Os fortes ou os franzinos?
Obviamente o condicionamento social de milênios deve ter esmaecido muito tais traços instintivos, mas, decerto, não totalmente.
Da mesma maneira que homens sentem, mesmo sem perceber, impulso no sentido de se deitarem mais próximos à porta do quarto, as mulheres tendem a optar por melhores ‘provedores’.
Evidentemente que todas as referências aqui feitas, dizem respeito à média das pessoas. Incorreria em inocente erro quem julgasse que me refiro aos gêneros como um todo, desconsiderando deliberadamente os desvios. Generalizações insultam a inteligência.
Muitos outros exemplos desse tipo campeiam nosso cotidiano. Constitui interessante exercício, identificá-los.
Creio que a evolução social e cultural, em dias atuais em franca aceleração, tenderá a eliminar ao longo das décadas ou séculos vindouros, tais vestígios antepassados. Mas estou certo de que ainda teremos de conviver com eles por muitas gerações. Assim, parece-me salutar que procuremos, ao menos, entender os motivos de tais diferenças e incongruências comportamentais a fim de diminuir os pontos de atrito relacional.



segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Breve análise sobre as raízes das diferenças entre homens e mulheres


Há, entre os autores, duas linhas básicas que versam acerca do comparativo entre homens e mulheres: uns tentam aproximá-los, minimizando suas diferenças. Outros acentuam o distanciamento comportamental e fisiológico, defendendo serem pronunciadas e inumeráveis as diferenças. Há quem diga que a única coisa em que se assemelham homens e mulheres é o fato de terem um ancestral em comum.
Exageros à parte, concordo que há diferenças realmente gritantes, mas muita similaridade também, mormente se considerarmos o aspecto social, e ainda mais se consideramos a evolução e a revolução social por que passamos.
De maneira geral, podemos classificar as diferenças comportamentais entre homens e mulheres como sendo de natureza biológica ou sócio-cultural.
As diferenças biológicas são fartamente tratadas em livros e publicações científicas, revistas médicas, sites especializados, etc. Não me aterei a esse aspecto por por este motivo e por não dominar suficientemente o assunto.
Já as diferenças sócio-culturais estão menos esclarecidas por não serem tão divulgadas e por serem estudadas por ciências sociais, mais recentes que as ciências biológicas e de métodos investigativos menos diretos.
Tais diferenças podem ser explicadas por diversos segmentos das ciências sociais como a sociologia, a antropologia, a psicologia e, mais recentemente, pela sócio-biologia.

A História, que não é exatamente uma ciência, contribui coadjutoriamente.
O dispêndio de tempo e esforço para demonstrar a integração entre as várias contribuições dessas ciências torna tal labor proibitivo para o escopo desse texto e o fim a que se destina, por isso, dispensarei tal etapa, passando a enumerar algumas das mais pronunciadas diferenças observadas, demonstrando, quando possível, as origens e mecanismos analíticos referentes à respectiva ciência que as isolou e comprovou, bem como seus métodos.
Diferenças entre homens e mulheres existem, por óbvio, desde sempre e sempre existirão. Gêneros diferentes, fenótipos diferentes, anatomia e fisiologia diferentes. Até aqui, tudo biológico. Mas... será mesmo que elementos como a compleição (‘compleição física’ é pleonasmo!) dever-se-iam apenas a fatores biológicos? Não!
De fato, o homem é, via de regra, maior e fisicamente mais forte do que a mulher. Entretanto, há espécies animais em que ocorre o contrário: a fêmea é mais forte e mais ágil que o macho. Tais disparidades, nesses casos, são justificadas pelo fato de que à fêmea cabem tarefas que demandam maior dispêndio de força e energia na busca pela sobrevivência.
Ora, por que seria diferente com a raça humana? De fato, a antropologia demonstra que, em tempos pré-históricos, cabia ao homem, no labor pela sobrevivência, a tarefa de proteção e provimento. Ou seja, era o homem que, desde a época das cavernas (paleo-, meso-, neolítico), deveria cuidar da segurança dos seus e provê-los de alimentos.
Esta tão simples distinção foi responsável por inúmeras diferenças surgidas ou aprofundadas entre os gêneros. Por exemplo: para caçar e lutar, sua musculatura deveria ser mais desenvolvida. Sua pele mais grossa. Sua estrutura óssea mais densa. Tudo isso se observa até hoje.
Mas não só isso! Os homens que lerem isso, hão de se lembrar de sua infância – é comum garotos em tenras idades sentirem medos infantis do que há por trás da porta, atrás do guarda-roupas, atrás do muro. Já as mulheres, é provável que se lembrem da época que, ainda na infância, temiam (e às vezes temiam muito!), o que havia debaixo da cama.

A explicação para isso? Os homens pré-históricos, em particular nas eras mais antigas, dormiam sob as copas das árvores, enquanto as mulheres dormiam sobre os galhos das mesmas, protegidas. Dessa forma, para o homem, o perigo vinha do lado, ou seja, do mesmo nível topográfico em que se encontrava. Já para a mulher, o perigo vinha de baixo.
Esse ‘instinto de preservação’ deve ter ser propagado através das gerações – tese de cuja prova incumbe-se a sócio-biologia – manifestando-se em idades mais tenras nos seres humanos contemporâneos.
Na mesma linha de raciocínio temos diversos outros exemplos como os apresentados pelo casal Pease: homens se sentam sempre de costas para a parede em ambientes coletivos e dormem sempre do lado da cama que estiver mais próximo à porta do quarto – reminiscências do instinto de proteção.

Aqui, cabe um adendo: diversas moças, hoje em dia, gabam-se de sua ‘esperteza’ ao afirmarem coisas do tipo: “eles (os homens) pensam que sou besta! Sempre se sentam de costas para a parede para poderem ‘ficar de olho’ nas mulheres que estão passando! Comigo não!”. Bem, sempre é tempo para se rever conceitos...

(continua)

Uma questão de 'natureza'


Existem inumeráveis tipos de personalidades. Todas com pronunciadas diferenças entre si. Entretanto, algumas características em comum podem ser agrupadas de forma a se estudar, com razoável segurança, os grupos e subgrupos humanos. De certa forma é o que faz a Psicologia Social, ciência relativamente nova, que parece tentar integrar elementos da Sociologia aos da Psicologia.
Assim como em todas as demais ciências, o agrupamento facilita a classificação, e esta, objetiva a facilitação do estudo, do entendimento.
Num rápido exercício de análise, ainda que sem qualquer fundamentação científica, é possível depreendermos de nossos parcos círculos sociais, alguns agrupamentos compostos por pessoas de características assemelhadas. Há os tímidos, os intrépidos, os ‘descolados’, os estudiosos, os reflexivos... enfim, uma miríade de tipificações.
Dentre essas, há um ‘tipo’ que reputo particularmente interessante. Não os definirei. Descreverei suas características, a priori. E sequer ater-me-ei em demasia nesse labor, pois prefiro tentar lançar luz sobre a intelecção das causas e efeitos de tais caracteres.
Algumas pessoas costumam mostrar peculiar aptidão para dividir com terceiros elementos da vida alheia. A primeira imagem que se nos forma à mente é a dos ‘fofoqueiros’. Mas não me refiro somente a esses. Há diversos níveis de acometimento dessa compulsão. Há aqueles que ‘dividem relatos’ somente dos ‘fatos de maior relevância’ – coisas realmente interessantes, picantes, impactantes. Há aqueles, ainda, que se utilizam dessa praxe sob pretexto de estabelecer vínculos. Ganha-se confiança de terceiro confidenciando-lhe ‘segredos’ que ‘não seriam revelados a mais ninguém’.

Aqui, já se percebe certa venalidade. Além expor intimidades de outra pessoa a alguém, tenta-se fazer crer ao interlocutor que tal ato é prova de confiança, intimidade. Este, normalmente desavisado, acaba por aceder, anuindo com o fato e, por vezes, dependendo de sua natureza, aderindo à prática. Angaria-se, então, com isso, solidez, confiança, elementos de estabilização relacional.
Há, no entanto, algo de incongruente nessa prática, que fica, normalmente, subjacente ao ‘tapete’ da relação, e, por isso, passa despercebido na maioria das vezes.
Vejamos: não lhe parece estranho utilizar, como elemento aglomerante de uma relação, prática de natureza desagregadora? Afinal, desde tempos imemoriais, ‘falar da vida alheia’ constitui prática condenável que, se descoberta pela vítima do ato, costuma causar mal-estar, desavenças, etc.

Então, em última análise, utiliza-se uma prática capaz de causar afastamento, repulsa, para ‘aproximar’ pessoas? Não seria isso um sinal de patologia da relação?
Mais que isso, o indivíduo que se utiliza de tais expedientes, normalmente é taxado de ‘fofoqueiro’o que não constitui prática honorífica – ao contrário, é, normalmente, condenado socialmente tal comportamento. Então se utiliza de atitude condenável para cimentar relações?
Bem, por óbvio, o interlocutor do agente que ora estudamos, ao anuir com tal práxis, podemos supor, incorre em uma de duas possibilidades: ou assume postura semelhante (e aí nada temos mais a dizer, uma vez que excetuando-se na Física, semelhante atrai semelhante!), ou, desavisadamente, incorre no erro de acreditar que tal atitude constitui, mesmo, prova de confiança - algo do tipo: “ele (ou ela) só me conta essas coisas porque confia em mim!”.
Aqui, a inocência é abastecida pela vaidade: quer-se, anseia-se por ser especial, único, importante. Assim, adoça-se o ego com a idéia, mesmo inconsciente, de que se é (e sempre será!) o único merecedor de tais confidências.
Essa “inocência egoísta” tem um preço – como, aliás, tudo na vida! A credulidade faz baixar as defesas, diminui as reservas, aumentando a vulnerabilidade.
Mas o maior tributo a ser pago pela inocência ainda está por vir.
Alerta-nos Diderot: “Quem te fala dos defeitos alheios, com os outros falará dos teus”. A vaidade egoísta que faz com que se acredite ser ‘o único’, cega para o fato óbvio que se depreende desta sábia advertência emitida na França do século XVIII.
Não se iluda: as atitudes emanam da natureza das pessoas. O que elas fazem hoje, repetirão amanhã, porque essa é a sua natureza. Assim como o escorpião da fábula, ainda que isso lhe cause a morte, não se deixará de cravar o ferrão nas costas do diligente sapo. É só uma questão de tempo e oportunidade.
Não é por mal... é apenas a natureza! Essas foram as últimas palavras daquele pobre bicho que precipitou, indiretamente, sua morte no rio. E elas foram ditas com sinceridade!



domingo, 24 de janeiro de 2010

Mundo Pitoresco


Ontem, ao me deitar, lendo um livro antiqüíssimo chamado “Mundo Pitoresco” que relata a vida cotidiana de diversos povos ao redor do globo, seus costumes, vestes, história, detive-me sobre uma foto que retratava a sociedade dos ‘sokols’ (antiga Tchecoslováquia) e pus-me a pensar sobre aquilo. Por se tratar de uma foto do início do século XX – período entre guerras -, todos (eram dezenas de milhares de pessoas perfiladas, fazendo, coreograficamente, exercícios físicos), sem qualquer exceção, já estão mortos hoje, bem como as outras dezenas de milhares de pessoas que os assistiam nas arquibancadas. Pensei: ‘todas essas pessoas, cada uma delas... tiveram uma estória. Viveram vidas comuns, como as nossas. Riram, choraram, amaram, trabalharam, decepcionaram-se... Eram pessoas ricas, pobres, belas, feias, cultas, alienadas... E deles, hoje, não há mais ninguém.
Provavelmente suas estórias foram contadas por seus filhos (que talvez já estejam mortos também) de forma resumida aos seus netos, e estes, talvez, tenham feito uma ou duas menções ao bisnetos, completamente desinteressados. Noutras palavras, suas estórias se apagaram. Deles, que agora são anônimos, nada mais restou.
Num outro trecho do livro, li sobre a construção da catedral de Colônia (Alemanha), que levou mais de seiscentos anos e foi concluída na segunda metade do século XIX. Pensei sobre seis séculos de gerações de trabalhadores daquela construção, suas vidas, suas estórias. Todas perdidas para sempre. Estórias pessoais, feitos gloriosos, esperanças, tudo perdido, esquecido para sempre.
Carl Haub, pesquisador norte-americano estima que cerca de cento e seis bilhões de pessoas (número cumulativo) já pisaram sobre a terra. Detenhamo-nos por um instante sobre esse número. Todas as almas vivas, hoje, totalizam cerca de seis bilhões. Mais de cem bilhões já se foram. Destes, conhecemos a estória, salva pela História, de alguns milhares. O resto desapareceu para sempre. Mas veja: cada uma dessas pessoas, sem exceção, teve uma vida como a minha, como a sua... uma vida! Uma vida que se acaba e, muito provavelmente não deixará vestígios.
Este pensamento nos leva a refletir... quão insignificante somos, apesar da nossa empáfia de, no íntimo, julgarmo-nos tão... importantes! Somos, em nosso julgamento mais íntimo, melhores que nossos vizinhos, mais belos que nossos amigos, mais inteligentes que os milhares de anônimos que nos cercam. O mundo levita ao nosso redor! Somos ‘pequenos deuses’ em nosso íntimo e, por vezes, ainda dizemos, como que para justificar e reforçar a convicção: “não sou dono do mundo, mas sou filho do Dono” – frase de conveniência ímpar para reforçar a sedimentação do conceito de que se é ‘o melhor’, uma vez que o ‘herdeiro legítimo’ do dono de tudo, é também, dono de tudo!
Esquecemo-nos, por óbvio, que todos os demais ‘seis bilhões menos um’, são também ‘herdeiros’. E essa empáfia nos cega. Alimenta nosso orgulho e nosso egoísmo e, em conjunto com outras máximas (há centenas delas) e elementos de condicionamento social, cristaliza, solidifica na sociedade, de forma geral, a sensação de ‘prioridade’: “eu venho em primeiro lugar”, “Primeiro os meus interesses”, “Se está bom pra mim, f... o resto!”.
E do alto dessa arrogância daltônica, esquece-se que... daqui a cem anos, não haverá mais que uma foto com um rosto anônimo, desprezada por quem a olha apressado, interessado mais em si do que nos outros, por ser ‘filho do Dono’.

Esse é mesmo um 'mundo pitoresco'!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

EXCERTO SOBRE O CIÚME

(...)

O ciúme em excesso parece ser uma manifestação patológica. Pessoas acometidas por este mal costumam agir de maneira ilógica e irrefletida.
Aparentemente, sua manifestação associa-se a uma personalidade extremamente egoísta, o que parece referendar a tese de que ciúme esteja relacionado com o sentimento de posse. Afinal, tanto mais se sente ‘dono’ e tanto mais se valoriza a ‘posse’, quanto mais egoísta alguém for. E, perder a posse de algo é muito mais traumático para esse tipo de pessoa.
Seja como for, as manifestações patológicas de ciúme são danosas à integridade da relação porque lhe afetam elementos nevrálgicos.
A primeira vítima do ciúme patológico é a vaidade do parceiro (ou da parceira).
Seu orgulho fica ferido por detectar que aquelas manifestações nada têm a ver com apreço ou amor. Trata-se de desconfiança gratuita embasada em possessão desmedida.
O sentimento que acomete a vítima de tais agressões é o de frustração num primeiro momento, seguido de uma tendência à ‘vitimização’. A constatação de que nem toda sua diligência em desfazer as dúvidas, em esclarecer as situações, e provar confiabilidade, surte resultado, faz com que a pessoa se sinta desvalorizada. Isso a afeta em sua vaidade: “quem ele (ela) pensa que é? Pensa que é melhor do que eu?”
O que se segue é a indignação. Depois, com a persistência dos atos doentios, a desesperança.
Paralelamente a isso, começam a surgir dúvidas sobre a aptidão da pessoa ciumenta à relação. Por se mostrar extremamente ciumenta, o que deixa transparecer é mais insegurança do que egoísmo. Tende-se a acreditar que aquela pessoa age daquela maneira porque é insegura. Só depois é que se percebe (quando se percebe!) que se trata de expressão insofismável de puro egoísmo.
Mas, desde o início é possível identificar elementos factuais que levam à conclusão de que não se trata de profunda dependência decorrente de um imensurável sentimento de amor – argumento com o qual se costuma justificar tal comportamento.
É comum ouvir: “desculpe, mas eu morro se não tiver você na minha vida. Minha vida sem você não tem o menor sentido. Você não tem idéia do quanto é importante pra mim e do quanto eu te amo”.
Mas os fatos indicam o contrário. Um dos principais indícios de que se trata mesmo de uma manifestação patológica, de sentimentos de posse e egoísmo extremados, é a utilização de “recursos de distinção de direitos”.
O ciumento patológico tende a negar direitos à outra pessoa que exige para si. Algo como ‘eu posso, você não pode’.
Outro fato interessante de se observar é a propensão do ciumento criar realidades próprias, versões pessoais para fatos, que não condizem com a realidade e não prestigiam a equidade de direitos na relação.
Assim, abundam as conjunções adversativas (mas...) e ocorre uma busca incessante por argumentos que provem, às vezes de maneira patética, a justeza de seus atos e argumentos doentios.
Durante todo este processo, mágoas são acumuladas, fazendo com que o amor, ou a dependência amorosa diminua. É aqui que o ‘jogo’ pode se inverter, se não acabar antes.
Se o ciumento possessivo estiver no comando da relação (posição de maior segurança), ele imputará sofrimentos, mágoas e dores à outra parte. Isso fará com que esta se ‘fortaleça’ mediante a diminuição da dependência emocional.
Este ‘fortalecimento’, ou desprendimento, causará a intensificação da ação do ciumento, que, entrará em pânico por perceber que o risco de perder sua ‘posse’ aumentou. Este pânico motivará a intensificação das ações desmedidas. O descabimento de propósitos chegará ao extremo e os primeiros sinais de ruptura aparecerão.

(...)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

EXCERTO SOBRE OS EFEITOS DAS MENTIRAS

(...)

- Mentiras
(...)
Quando se inicia uma relação celebram-se, ainda que implicitamente, diversos compromissos. Um deles, dos mais importantes, é o de confiança mútua. É impossível relacionar-se amorosamente com alguém sem que se haja estabelecida essa premissa.
Confiança, no entanto, não é algo que se dá ou se compra. Conquista-se. E sua conquista é lenta e não linear. Leva tempo para que se consiga gozar das benesses de ser alguém plenamente confiável à outra pessoa. E nem sempre se consegue.
Palavras não garantem confiança. Esta se conquista com gestos. Mas não se pode criar esses gestos. Eles dependem de acontecimentos quotidianos. Somente quando algumas situações ocorrem é que se tem a oportunidade de mostrar ser confiável à outra pessoa. Em outras palavras, não adianta dizer: “sou confiável, pode acreditar!”. É preciso que alguma coisa aconteça para que se demonstre ser confiável.
Só que essas situações não ocorrem com freqüência nem se distribuem uniformemente no tempo – daí o processo não ser linear.
A primeira condição para se adquirir confiança é “fazer sua parte”. Simples assim! Basta cumprir com o que se comprometeu a fazer e esperar que a outra pessoa cientifique-se de sua infalibilidade.
Entretanto, costuma-se dizer que “é preciso uma vida inteira para se construir uma boa reputação, mas apenas alguns segundos para destruí-la”. Mais ainda: aduz Plutarco que “A reputação é como fogo: depois que apaga é difícil acendê-lo”.
Assim é nas relações amorosas. E não há como mudar isso: depois que se perde a confiança, dificilmente se a readquire.
São as mentiras as principais responsáveis pela quebra de confiança numa relação.
Funcionam como pequenas (ou grandes) bombas de efeito retardado que atentam diretamente contra a confiança conquistada, ainda que sólida. Seu efeito, além de retardado, é cumulativo.
Retardado porque, além do impacto inicial quando se constata uma mentira na relação, ela continua a causar danos por muito tempo. A pessoa prejudicada, fica, por semanas, meses, até anos, repassando mentalmente o fato. Isso causa desconforto e, por vezes, sofrimento.
O efeito também é cumulativo porque, à sensação negativa causada por uma mentira, somam-se outras, caso se identifiquem novas mentiras.
Mais ainda: além de se acumularem os efeitos, eles se amplificam quando acumulados. É como uma bola de neve que começa pequena e vai crescendo exponencialmente até agigantar-se perigosamente.
Mentiras causam desconfiança, dor e mágoas. Geram ressentimentos e desagregação. Podem suscitar, também, revide.
Por seus efeitos nefastos à pessoa prejudicada, as mentiras podem inverter a composição de poder na relação, invertendo o ‘jogo’.
O processo pode ocorrer segundo um ou mais caminhos. Geralmente desenvolve-se mágoa na pessoa prejudicada. Essa mágoa fará com que sua dependência emocional em relação à outra pessoa diminua. Com isso, diminui-se a ‘desvantagem’ no placar do ‘jogo’.
A inversão pode vir de duas maneiras: ou a mentira foi muito significativa, ou se acumularam uma série delas. Normalmente a segunda hipótese é mais efetiva no sentido de ‘inverter’ o placar.
Se comparássemos a relação a uma construção, qual seria a maneira mais efetiva de demoli-la? Se contratássemos um daqueles guindastes que sustentam uma enorme bola de aço e com ela golpeássemos uma edificação, seriam necessários poucos golpes e ela estaria em escombros.
Entretanto, restariam pequenas partes intactas. Locais que aquela enorme esfera não pôde alcançar.
Mas se contratássemos uma equipe de trabalhadores e estes se abatessem sobre a construção com golpes de marretas, vagarosamente a colocariam no chão. E não haveria um único ponto intacto. Nada sobraria.
É assim o efeito das mentiras sobre as relações: as grandes destroem rápido, mas deixam vestígios. As pequenas, acumuladas, destroem lentamente e não deixam nada intacto. Mas acredite: ambas destroem.

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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

EXCERTO DE 'O JOGO'


EXCERTO DE UM LIVRO, EM FASE DE FINALIZAÇÃO, DENOMINADO PROVISORIAMENTE DE “O JOGO”



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Depois de viverem os prazerosos momentos de descoberta mútua, trocas afetivas, entregas amorosas condicionais, o casal entra numa fase caracterizada pelo aumento da freqüência de testes, cobranças, acusações e brigas. A monotonia devida à ausência de elementos de descobertas, favorece o surgimento deste tipo de comportamento.
Isso é natural e todo casal, seja de namorados, esposos, amantes, passa por isso; e é nesta fase que “o jogo” se definirá.
O processo é, basicamente, o seguinte: a ausência de novidades e descobertas leva à monotonia. Esta, causa um desconforto que resulta na diminuição de manifestações afetivas. Esta diminuição causa certa insegurança em ambos, mas principalmente naquele que está mais envolvido ou apaixonado. Este sempre inicia o processo.
Por sentir que diminuíram as manifestações de afeto por parte da outra pessoa, torna-se inseguro e inicia a fase de testes e cobranças. Os testes visam obter confirmações indiretas de que ainda se é importante para a outra pessoa. As cobranças são artifícios de confirmação direta.
Ambos, no entanto, indicam a mesma coisa: medo e insegurança. E ambos, também, desencadeiam um processo de conseqüência lógica: o revide sistemático que será a base para o surgimento de brigas declaradas e de acusações.
É aqui, nesta fase, que se abusa da utilização daquelas ‘ferramentas sujas’ de manipulação, descritas anteriormente.
A cada briga, a cada cobrança, séries de estratégias são postas em prática e novas são criadas. Os interesses, que antes eram construtivos, agora são destrutivos.
Isso não quer dizer que não haja amor entre ambos. Há! Provavelmente ambos estão envolvidos emocionalmente – um mais do que o outro, invariavelmente.
Mas a paixão se foi. Senão para ambos, ao menos para um. Aquilo que antes era suspiro e êxtase, agora é um misto de satisfação serena, ânsia por retomar o ‘fogo da paixão’, dúvidas e inseguranças.
Por sentirem falta do calor inicial que os consumia de forma tão prazerosa, tentam resgatá-lo. É quando se busca alternativas como explorar fantasias ou reeditar as atmosferas de magia do começo. Aqui entram novamente, de forma extemporânea, as lingeries provocantes, os passeios românticos, o envio de flores, compra de presentes fora de datas comemorativas, coisas assim.
Isso constitui uma busca desesperada (consciente ou inconsciente) por resgatar sentimentos que se experimentou no início, mas que agora já não existem.
O problema é que tal resgate é impossível, visto que estes sentimentos nutriam-se de alguns elementos que agora não mais existem por sua própria natureza.
Um deles – o principal – é a novidade. Não há mais nada de novo por baixo daquela lingerie nova! Não há mais mistério sob aquela camisa de linho. Conhece-se cada detalhe e cada movimento. Tudo se torna previsível. Aquelas palavras já foram ouvidas. Aqueles toques já foram sentidos à exaustão.
É aqui que se instala uma sensação conhecida por todos e que acompanhará a maioria pelo resto da vida: a sensação de ‘vazio’.
O ‘vazio’ a que tantos se referem e outros o negam falsamente, por orgulho, consiste na ausência dos estímulos aos sentidos experimentados no passado, dos quais não se dispõe mais, no presente. Busca-se por algo que ‘não se sabe o que é’.
Essa busca pode durar a vida toda, caso não se a compreenda. Aqui, mais um exemplo da necessidade e da importância de se conhecer a verdade, já que somente assim se pode mudar e, por conseguinte, evoluir.
Passa-se a vida toda à busca de algo que não se sabe o que é. Entrega-se ao consumismo, às drogas, a terapias, a casos extraconjugais (efêmeros exatamente por este motivo: a novidade se esvai em pouco tempo!), quando, na verdade, não há solução para este problema a não ser encarar a verdade: aquelas sensações são efêmeras, e deve-se aprender a conviver com isso.
Isso, no entanto, não quer dizer que não seja bom. Apenas não retira suspiros de excitação decorrente da expectativa da novidade.
Não há nada, absolutamente nada errado nisso! É um processo natural pelo qual passam todos os casais, sem nenhuma exceção. É da natureza do ser humano desinteressar-se pelo que não constitui novidade. Se não acredita, pense em como se sentia uma semana após comprar seu carro novo, e como se sente agora, com um ou dois anos de uso.
A novidade brilha aos olhos e aos sentidos das pessoas. Isso explica em partes, a compulsão à traição. Entretanto a obrigação social e legal da monogamia cria um paradoxo que se assemelha àquela da Economia: “O ser humano possui necessidades ilimitadas, porém os recursos são limitados”, o que acaba criando um ‘custo de oportunidade’, que consiste, nesse caso, em ter de abrir mão de oportunidades de ‘novas experimentações’ em favor de manter a segurança da relação.
Nada de errado há no desaparecimento da novidade. Ele é inevitável e se não se adaptar a isso, estar-se-á fadado a ter-se de iniciar uma nova relação amorosa a cada semestre.
O problema é como se portar em face desta perda aparente de qualidade na relação. Normalmente porta-se da pior maneira, por medo.
O medo decorre da vaidade e da insegurança (novamente as ‘chagas humanas’ presentes!). Sente-se medo por insegurança: não se quer perder o porto razoavelmente seguro que se construiu. E sente-se medo por vaidade: não se quer conviver com a idéia de que o fracasso pode ter sido decorrente de sua falta de talento para a conquista e manutenção da relação.
O insucesso (não declarado, mas silenciosamente constatado) nas tentativas de ‘reaquecimento’ da relação, ou seja, na busca pelo que já não existe mais e é impossível de existir entre ambos, leva ao acirramento do ‘jogo’ e à cobrança de uma definição para a situação.
É o início da fase mais desgastante.
Ambos sentem e se ressentem pelo ‘esfriamento’ da relação. Mas, invariavelmente, os ‘ataques’ e cobranças partirão da parte mais dependente emocionalmente. Este é um bom indício de quem deverá ‘vencer’ o jogo. Quase sempre, a parte mais ‘envolvida’ nesta fase, acaba se ‘rendendo’. A reversão é cada vez mais difícil, agora.
Isso é assim porque, partindo os ataques, cobranças e acusações do lado mais dependente da relação, este assumirá o risco de ser o causador da crise, e cada vez mais, se não tiver extrema habilidade, tornar-se-á inferiorizado.
É como areia movediça: quanto mais se debate, mais se afunda.
Uma distinção importantíssima de se observar, sem a qual não entenderemos o processo, é que, agora, o objetivo não é mais aumentar o seu valor absoluto, pela conquista da outra pessoa! O que se busca agora é aumentar o seu valor relativo pela degeneração da imagem da outra pessoa. Em outras palavras, não se quer (e virtualmente não se pode mesmo!) mostrar ou provar de forma concreta seu próprio valor. O objetivo agora é aumentá-lo de forma relativa, por comparação ao valor da outra pessoa. E como fazê-lo? Denegrindo-a.
É o princípio do contraste. Torna-se mais ‘belo’ à medida que a outra pessoa torna-se mais ‘feia’. Como não se pode tornar seu carro mais bonito, risca-se a lataria do carro do vizinho para que o seu ganhe valor relativo.
O motivo pelo qual não se pode mais aumentar o seu valor na relação é porque já se mostrou o seu melhor à outra pessoa. Na fase da conquista, tudo o que se fez foi mostrar e exaltar virtudes. Defeitos foram escondidos. Agora começam a aparecer e denigrem a imagem ideal forjada inicialmente.
Associa-se, este fato, ao esfriamento natural da relação.

Os pensamentos predominantes são:

“Será que ele já enjoou de mim? Por quê? Eu faço tudo o que posso para dar-lhe o meu melhor. É verdade que eu tenho sido dura, às vezes. Exigente... um pouco agressiva. Mas quem não tem defeitos? Ele também já não me trata como no começo. Só que ele não enxerga seus próprios defeitos. Só os meus. É egoísta, insensível e arrogante. Mas não admite isso”.

“O que ela pensa? Eu faço de tudo para agradá-la, dou-lhe o meu melhor, mas ela nunca está satisfeita! O que será preciso para satisfazê-la? Talvez eu não seja suficiente para ela. Só vê meus defeitos! Eu nunca sou adequado. Lembro-me de como ela era diferente no começo! Era doce, compreensiva, paciente, carinhosa... Olha só no que se tornou! Deve ter dissimulado tudo só para me conquistar. E depois que pensa que consegue, mostra a cara!”.

Dizer que não se pode aumentar seu valor na relação nesta fase não é exatamente verdadeiro. O que acontece é que as oportunidades de demonstrar virtudes se tornam cada vez mais escassas, já que se conhece bem a outra pessoa após algum tempo de relacionamento e a variação de situações é cada vez mais restrita.
Assim, ao se perceber que não se pode mais ‘encantar’ com demonstrações de dotes e virtudes (seu estoque chegou ao fim) passa-se a tentar mostrar à outra pessoa o quão ela é falha a fim de fazê-la, por contraste, enxergar ou valorizar o que recebe.
Aqui entram as ‘ferramentas sujas’ vistas anteriormente.
O roteiro é conhecido de todo mundo. Começa sempre com algumas frases típicas que se repetem sem grandes variações:

“Você está estranho hoje!”

“Está tudo bem com você? Eu fiz alguma coisa?”

“No começo, você prestava mais atenção em mim.”

“Você parece que não curte mais sexo como no começo”.

“Tudo bem, eu já estou mesmo me acostumando...”.

Esses são sinais de que o momento chegou! O que se segue é a popular ‘discussão da relação’. E, claro, ela resultará em fracasso na maioria das vezes.


(...)