terça-feira, 30 de março de 2010

SOLOS...


Existem diversos tipos de solo... Há os solos férteis, nos quais germinam todos os tipos de sementes. Há solos medianos, em que algumas sementes germinam, outras não. Há os solos áridos, os solos pantanosos. Há os solos estéreis em que nada nasce. Solos... As pessoas são como solos. E, assim como neles, em algumas pessoas, as sementes tardam mais a irromper sua dormência. Mas a irrompem e buscam a luz, ainda que tardiamente e a certo custo. Assim como os solos, as pessoas podem receber quaisquer tipos de sementes. Boas ou ruins. Joio ou trigo.
Bem, são apenas sementes. Sementes não têm valoração senão as que os homens lhes dão. Há sementes e solos de todos os tipos. Há convicções, idéias, sentimentos de todos os tipos.

Felizes aqueles que podem dar suporte a todos os tipos de sementes. Estes são solos raros... acolhem a toda variedade de vida, de idéias, de sentimentos. Sem medo, sem pudor, sem expectativas. Apenas acolhem-nas. E da abundância de vida à qual dão suporte, resulta-lhes mais e maior fertilidade, sempre. Porque joio e trigo são apenas plantas. Nem boas, nem más. Nem morais, nem imorais. Apenas... amorais. E, tanto joio, quanto trigo, quanto o homem, voltarão ao mesmo solo. Por isso, feliz o solo que dá vida a todas as sementes. Porque elas lhe retirarão algo, mas dar-lhe-ão mais do que levaram.
Pobres solos pobres. Escravos de sua seletividade, deixam de experimentar a plenitude de suas existências, acorrentados em seu dogmatismo ignorante. Sementes únicas, idéias fixas, inflexibilidade. Do alto de sua arrogância, ostentam, orgulhosos, a monotonia cromática de sua monocultura. Pobres solos pobres! Ao cabo de uns poucos anos, estarão inúteis, inférteis, infelizes. E, por fim, extenuados, empobrecidos – vidas empobrecidas – limitar-se-ão a dizer, fundamentados em sua ignorância convicta: “é a minha natureza! Eu jamais mudarei”.
Talvez estejam certos... talvez seja mesmo a sua natureza. Talvez alguns solos tenham “nascido” para dar suporte à exuberância da vida, do amor, das experiências; e outros para orgulharem-se da monocromia enfadonha da única cultura que acreditam (acreditam?) ser capazes de suportar. Pobres solos pobres...



quinta-feira, 25 de março de 2010

“Mas tu és um anjinho, mesmo, heim?” ou sobre como se tornou bonito ser feio


Sabe quando você não tem mais certeza de algo que antes lhe era uma convicção plena? Talvez você já tenha passado por isso. É uma sensação estranha. Senti isso uma vez, de forma acentuada, quando me roubaram um carro. Pensei, confuso, “mas eu tenho certeza de que o estacionei exatamente aqui!”. Depois busquei alternativas: “talvez eu o tenha estacionado em outro lugar”. E, por fim... a realidade: “a casa caiu”!
Bem, o fato de o carro não estar mais lá, não anula o fato de eu realmente tê-lo estacionado naquele lugar. Então, ficou a certeza: eu realmente o havia deixado ali. Mas ela de nada adiantou...
Por que escrevo isso? É um paralelo. Há, noutras proporções, forte afinidade entre este fato e outros, sociais, cotidianos, aos quais estamos expostos diariamente. A certeza de que algo deveria ser de tal forma, mas, inapelavelmente, mudou! É o caso, por exemplo, da cortesia, da educação informal, da seriedade de propósitos, da honestidade em diversos graus e da equidade de tratamento.
Vejamos: quando eu era um garotinho, ensinaram-me que o que se deveria buscar como ápice da realização como ser humano, como cidadão, era: ser educado, polido, justo, equânime, honesto e trabalhador. Claro, acreditei. E creio que o mesmo aconteceu com você. E continuo acreditando. Mas...
Bem, a realidade: ser educado e polido, em dias atuais, tornou-se antiquado, caiu em desuso e seu uso, por vezes, implica em situações constrangedoras. Não raro se ouve, percebe-se ou se sente reprovação às boas maneiras. Ou será que você jamais ouviu um comentário do tipo: “fulano é tão educadinho que parece um ‘boiola’”? Mais que isso, educação, hoje, parece ser associada a submissão e o seu contrário, a arrogância, parece ter adquirido aura de superioridade – desejável e cultuada indissimuladamente. E ainda mais: para piorar, se se usa de educação, diligência, atenção para com o sexo oposto, confunde-se-o com “segundas intenções”.
Equanimidade? “Isso morde?”. Não, mas deveria, em alguns casos! O mundo se tornou uma arena em que se é “cada um por si” e, nessa seara, não sobra espaço para a justiça e a equanimidade no trato social. “Primeiro eu!”. “Eu posso, você não pode”. E pior: Exige-se, mas não se dá a contrapartida. São uma miríade de ‘deuzinhos’ ávidos por serem cultuados, adorados, idolatrados, mas sem nada a oferecer em troca, senão a gratificante benesse de sua venerável presença diante de nós. Affffff...
Honestidade... honestidade! A maior perda de todas no tecido social. “Jeitinho”. “Quebra-galho”, “dar-se bem” viraram o norma. A violação punível é a honestidade. Punível em mais de um âmbito: paga-se ao perder as melhores oportunidades por falta de “esperteza” e paga-se por não ser esperto: “Mas tu és um anjinho, mesmo, heim?!”. Como se a abstenção à prática da esperteza fosse um ilícito penal punível com a reprovação social, velada ou não.
E quanto à figura do homem trabalhador, que vence com seus esforços, com o suor de seu rosto, honestamente, produzindo e poupando? Foi substituída pela máxima: “Quem trabalha não tem tempo para ganhar dinheiro”. Nada mais a conjecturar!
Havia, décadas atrás, a figura da ‘ovelha negra’, cercada por brancas, coagida por olhares de censura e reprovação. Hoje as posições se inverteram: a ovelha branca ocupa o centro das atenções reprovadoras. Sustenta-se sobre um cadafalso.
Tornou-se bonito ser feio. E feio ser bonito.
Mas então papai e mamãe mentiram? Não... Eles só não contavam com a degeneração maciça destes valores em tão pouco tempo, motivada, principalmente, por mudanças culturais aceleradas pelo dirigismo consumista. Afinal, ‘deusinhos’ consomem mais roupas de marcas famosas, veículos caros e aparelhos celulares de última geração, já que têm de ostentar o poder de sua glória infundada.
Entretanto, não é porque o carro não está mais lá, que ele não deveria estar. Terem-no roubado não significa que ele não deveria ter permanecido onde estava! E perder a consciência disso significa sucumbir no cadafalso.
Bem, talvez não seja tão ruim! Quem sabe, com tal sucumbência, as ovelhas negras não se matem umas às outras (estão em vias de!) e dêem espaço para o surgimento de uma nova geração de brancas?



quarta-feira, 24 de março de 2010

Sobre como não suporto meu doce preferido ou a síndrome da lesão por esforço repetitivo



Não é que eu queira revolucionar conceitos. Nem tampouco contrariar dogmas seculares. É que alguns conceitos e dogmas seculares simplesmente prescindem de argumentos contestadores, porque não resistem a meia dúzia de conjecturas analítico-racionais. Daí, meu desinteresse em combatê-los.
Vejamos: para quê combater algo que todos defendem, mas se contradizem com seus próprios atos? Perda de tempo. Aliás, há muito deixei de lutar contra a natureza humana – e a contradição é uma de suas peculiaridades mais marcantes!
Dizem: “eu quero somente a uma pessoa, e serei feliz com ela para sempre!”. Dizem-no, claro, para se credenciarem à condição de críticos dos que não o fizerem. Mas, interessante notar, não raro, contradizem-se silenciosamente, amancebando-se às escondidas para não perderem o status de guardiões da pseudo-moralidade.
Não os culpo. São vítimas cegas de um sistema idiotizante, de fundo político-religioso, que tenta, por séculos, milênios, adaptar a natureza humana a padrões que atendem a interesses restritos, sob a aparência de ‘coletivos’, geralmente ligados à manutenção de poder (econômico, político ou religioso). Aliás, a ignorância de muitos, sempre foi o trunfo de poucos.
Séculos, milênios de condicionamento antinatural não teriam, por óbvio, outro resultado que não um mundo de contradições e incongruências, bem como a formação de uma “cegueira coletiva” sustenta o processo.
A hipocrisia está na raiz do sistema, que promete o paraíso no futuro, mas oferece purgação por toda a vida – daí a necessidade de se criar a expectativa de direito ao paraíso extraterreno.
Ora, se a raiz é hipócrita, como haveriam de ser seus frutos? Não se pode esperar, então, que o (ou a) pobre coitado(a), pagador(a) de contas, prostrado(a) pela quebra sistemática de suas expectativas de vida – uma a uma, ao longo de sua vida -, consiga, sem esforço, discernir entre suas atitudes declaradas, não declaradas e sua expectativa acerca das atitudes de terceiros.
Entretanto, ignorar a verdade não a torna mentira. E um dos inumeráveis elementos de contradição, que se mostra real pela prática (geralmente não declarada) e, ao mesmo tempo, execrado pela moral secularizada é a máxima: “quero só a ti, jamais quererei mais alguém, e serei eternamente feliz assim”.
Bem, claro que isso é uma bobagem utópica descabida. Exceto para alguns “infinitésimos fracionais” que, realmente, excedem a regra (natural, não a imposta!), por sua natureza extravagante. Há, sim, alguns poucos (mas bem poucos mesmo!), que simplesmente não se seduzem por nada mais do que aquilo que têm e vivem verdadeiramente felizes assim. Entretanto, não se iluda: você, provavelmente, por uma razão estatística, não é um desses! Mas, certamente, também por razões estatísticas, se diz ser! E está apto a provar que é, com suas atitudes declaradas.
Como eu disse, não pretendo brigar por causa alguma! A matemática, a lógica, a estatística, os jornais, as novelas, seus vizinhos, estão aí para comprovar o que eu digo.
Ainda que se negue veementemente, não há argumentos contra fatos. As “camisas de força” sociais estão enfraquecendo. Os artificiais “mandamentos” estão perdendo terreno em relação aos naturais impulsos humanos. Negá-lo é idiotizar-se ainda mais e combatê-lo é reeditar, extemporaneamente, erros consagrados como tentar galvanizar, à força, as formas livres do espírito humano. Melhor entendê-lo.
Um bom início é livrar-se das amarras da hipocrisia. “Eu posso, você não pode. Por isso parecerei não querer para que você não queira também”. Isso me dá náuseas...
Outra medida de bom alvitre é observar o óbvio – ainda que ele coloque em risco sua realidade “virtual” fundamentada em “dizer uma coisa e pensar (ou fazer, ou desejar) o inverso”. E um desses fatos óbvios é que você, seu (ou sua) parceiro(a), seus vizinhos, seus parentes, a maioria maciça das pessoas, enfim, jamais se contentará com uma única companhia, ao longo de toda a sua vida, sem que, no mínimo, algum dia, venha a desenvolver interesse por outra. Isso é tão claro e insofismável quanto o fato de você não conseguir ter apenas um amigo, conversar com apenas um colega de trabalho, gostar de apenas um tipo de refeição, usar apenas um tipo de roupa, amar apenas uma pessoa ao longo de sua vida.
Coisas assim soariam (futuro do pretérito dado a irrealidade do fato!) antinaturais. Absurdas. Ninguém consegue suprir completamente à outra pessoa, ainda que se jure (motivadamente, claro!) em contrário. É impossível (exceto para aquele seleto e quase-extinto grupo supra-referido)!
Isso explica acontecimentos cotidianos como o fato de um sujeito trocar sua mais-que-deslumbrante mulher, esposa, namorada, “ficante”, por outra, muito menos deslumbrante. Claro que em uma separação não influi apenas um fator, mas este, certamente, compõe o mosaico. Explica o motivo pelo qual o seu doce predileto se torna insuportável se você comer apenas dele, bem como sua casa se torna uma prisão se você não visitar outros lugares.
“Isso é um absurdo! Esse cara é um imbecil!”. Espero que você não tenha pensado isso. Mas, se pensou... A injúria é o argumento de quem não tem razão. Por isso, obrigado por concordar comigo. Agora, se, diversamente, buscou contra-argumentos, um deles, certamente foi: “não se compara amor a um doce, ou a uma casa”. Ou ainda: “Doces eu como diversos, mas amar, eu amo a apenas uma pessoa”.
Ok. Sem problemas! “Cada um é cada um”. Mas, convenhamos: alguém que se deu o trabalho de buscar argumentos, pode tentar expandir o raciocínio a fim de não cair no lugar comum do condicionamento social, certo? Afinal, você ama só a uma pessoa? Se ama, como explica amar também seus pais e seus irmãos? Ah, é que são classes diferentes de pessoas, certo? Ok! Então como explica amar a mais de um amigo? Amigos são da mesma classe de pessoas. Ah, mas o amor “homem-mulher” é diferente, certo? Então casais homossexuais não se amam? Ops... Você não estaria confundindo amor com paixão?
De fato, é impossível apaixonar-se por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Não há espaço para tanto. Mas amar... claro que é possível! E se amar a mais de uma pessoa concomitantemente é perfeitamente possível, o que se dirá sobre desejar mais de uma pessoa?
Eu não estou inventando nada! Como eu disse, está tudo aí, para todo mundo ver! É só uma questão de intelecção. Negar é estupidez ou hipocrisia (prefiro a primeira hipótese!). Combater é burrice ou hipocrisia (idem!). Aceitar e buscar meios de entender e conviver com a realidade da qual não se poderá escapar é digno de quem tem algo mais a fazer na Terra do que “fazer de conta”.
Está na natureza humana: a reedição sistemática e prolongada de determinada condição leva à exaustão. Começa-se a se esforçar para manter a aparência de ilibado(a), de satisfeito(a), e afunda-se em vidas infelizes e cheias de cobranças e acusações. É como uma síndrome de esforço repetitivo que causará lesão, mais cedo ou mais tarde. E, no final, profere-se amargurado(a): “eu tive de aturar você a minha vida inteira”, ou apenas questiona-se em silêncio resignado: “valeu a pena?”. O travesseiro tem a resposta.
Ah, sim! Para aqueles que, maldosamente, lograrem levantar julgamentos acerca do que escrevi, argumentando, eventualmente, que ‘escrevo em causa própria’: na verdade, escrevo em causa alheia, como uma contribuição (convicta da não-aceitação geral; portanto, resignada!) à reflexão. Quanto a mim, há muito essas incongruências se resolveram. Espero, isso sim, que mais pessoas rompam seus grilhões seculares e passem a interagir de forma mais construtiva. Vivam mais suas vidas e menos as vidas alheias. Vivam e deixem viver... E o mundo se torne um lugar menos chato. Nesse sentido, sim, escrevo em causa própria.



quarta-feira, 17 de março de 2010

EXPLICAÇÃO


Após refletir bastante sobre os efeitos da empatia e sua relação com as inúmeras vias de interação humana, concluí que esta é raiz da árvore que produz, como frutos, a maior parte dos valores sociais - morais ou amorais.
O que quero dizer com isso é que se nos colocamos no lugar das outras pessoas, podemos perceber o que e como se sentem, e, não querendo nos sentir de tal forma, entendemos que o mesmo pode ocorrer aos demais. Em outras palavras, não faremos aos outros, o que não queremos que nos façam. Nem receberemos de terceiros o que não querem receber de nós. Mais que isso: dar-nos-ão aquilo que lhes é caro e receberão de nós o que nos é importante. É como uma espiral ascendente, construtiva. Daí começam a surgir os valores, como por exemplo, o respeito (que é amoral: pode-se respeitar a um deus ou a um bandido). Aliás, o respeito está na base de todos os demais valores. É o tronco da árvore! Sem ele, nenhum valor, nenhum progresso relacional pode ser auferido. Ao contrário: somente retrocesso.
Vou ser franco sobre os motivos pelos quais me abalei a versar sobre este tema e a propor aos “resignados” que aqui visitam, uma “cruzada” pela disseminação da idéia da empatia. Não busco aparência de virtuosismo – minha linguagem e idéias, creio, deixam claro isso. Também não espero auferir lucro monetário algum– se o quisesse não versaria sobre tais temas, concentrando-me, talvez, em frivolidades “dementizantes” como as que jorram por todas as artérias pseudo-culturais desse e de outros países. Busco, em verdade, um outro tipo de ganho. Qualitativo.
É que minha parcela de resignação para suportar o modelo social em que vivo, perdido e estupefato, parece ter chegado ao fim.
Quero dizer com isso o seguinte: não tolero mais coabitar o mesmo chão com uma horda de imbecis que não sabem a diferença entre ‘ter’ e ‘ser’; que confundem altivez com arrogância; que não distinguem imagens formadas fora do espelho; que ignoram o significado de altruísmo e que acham ‘bonito ser feio’!
Vaidade, egoísmo e arrogância são, hoje, os pilares que norteiam as ações sociais em seus mais diversos níveis. E isso torna o mundo quase inabitável para quem se recusa a dançar conforme essa música vergonhosa. Insuportável!
E a única maneira (lícita!) que vejo de combater essa miopia coletiva retroalimentada e inflada pelo bombardeio da mídia individualizante que prega a cristalização da preponderância do EU sobre o NÓS, é apelar para a ação individual de sensibilização daqueles com quem posso interagir.
Não sou idiota o suficiente para imaginar que, como num passe de mágica, como se as palavras-chave de meus textos fossem os nomes de algumas gostosona de reality-shows ou um refrão de alguma axé-extravasante-rebolation-music, fluiriam, aos milhares, pessoas interessadas nessa idéia – em abraçá-la e disseminá-la. Não! Longe disso: “Cada um no seu quadrado”! A idéia de que o “feio” se tornou “bonito” e o “bonito”, “feio”, enraizou-se demais para que um toque de mágica a mude. Antes era bonito ser educado e polido. Hoje é “coisa de boiola” ou sinônimo de fraqueza. O mundo quer “guerreiros” – irracionais, de preferência! Não! Não será hoje, nem amanhã, que isso mudará.
Também não sou inocente para achar que uma, duas ou dez ações individuais mudarão uma realidade tendencial tão fortemente estimulada, que atende a interesses dissimulados de segmentos da classe sócio-econômica dominante (ou você acha que sua maneira de sentir, pensar e agir nada têm a ver com interesses que jamais foram e jamais serão seus? Se acha, lamento dizer, mas... o inocente é você!).
O que espero, de fato, é que uma, duas, dez pessoas que compreendam e comunguem com tais sentimentos de sufocação reflitam sobre isso e busquem, em si, alguma mudança ou adequação a fim de mudar a sua própria realidade, de modo a, caso se agrupem, possam, elas, “coabitar sobre um chão” menos vil. E, quem sabe, eu possa usufruir de tal ambiente menos inóspito, menos ignóbil.
Um detalhe: note que eu não fiz, nem aqui e nem em outro lugar, qualquer alusão a valores morais. Não tenho envergadura suficiente para percorrer tão nobres trilhas. E suspeito de quem bate no peito dizendo ter. Prefiro despir-me da hipocrisia da qual alguns tanto se orgulham e contentar-me com a máxima do ‘viva e deixe viver’, acrescentando-lhe apenas: “... com respeito”.



segunda-feira, 15 de março de 2010

CAMPANHA 'EMPATIA JÁ'


Em dias de 'luta pela sobrevivência' travestida de "proatividade"; em tempos de reedição do "estado de natureza" Hobesiano maquiado com cores pastéis de cívica (ou cínica, tanto faz!) modernidade 'auto-sustentável'; em épocas de absoluta denegação de valores construtivos em favor de outros, "competitivos", venho propor (àqueles que se dignam a campear estas paragens em detrimento dos construtivos 'rebolations' e similares que grassam os quatro cantos do universo cultural brasileiro) a adoção de postura empática no trato social.

É claro que soa despropositado num primeiro momento. Quase sem sentido... Mas, pensemos um pouco a respeito desta proposta.

A definição 'wikipédica' de empatia é: "O estado de empatia, ou de entendimento empático, consiste em perceber corretamente o marco de referência interno do outro com os significados e componentes emocionais que contém, como se fosse a outra pessoa". O suficiente para se depreender o caráter construtivo da atitude empática.

De forma mais simples: você gosta que lhe digam "muito obrigado" quando você presta algum favor ou serviço? Ótimo! Os outros também! Você odeia que lhe sejam rudes ou mal-educados? O mesmo acontece com os outros. Simples assim.

Aliás, se você não age segundo os princípios da empatia, há grande possibilidade que você se encaixe no perfil de egoísta, ou pior: de hipócrita! Pense a respeito. Se você quer que os outros lhe façam algo que não está disposto a fazer, então você é egoísta. Se condena os outros por não agirem de certa maneira que você próprio não age, então é hipócrita.

Mas há ainda outra possibilidade: você simplesmente não se importa. Tipo: "F...-se! Estou pouco me lixando para o que os outros pensam, aliás, estou pouco me lixando pros outros". Bem... apesar de absurdo, tal atitude não é incomum, infelizmente. Não sei se pode ser nominada, mas não importa. Importa suas consequências. Estão estampadas nas manchetes de jornais, em seções políticas, econômicas e policiais. É o "estado de natureza" reeditado com as cores, enredo e trilha sonora da modernidade. Vergonhosa modernidade que cria pequenos deuses vazios por dentro, cheios de si, prontos para ferir, enganar, destratar, trapacear, machucar, matar em nome do sucesso (alguns dão o nome de 'felicidade', outros de 'o leite das crianças', outros ainda de 'meu sonho').

Este é o mundo em que vivemos, fazendo de conta que tudo está certo porque o que conta, no final, é o resultado - que em 90% dos casos é insatisfatório.

Empatia... em que ela poderia ajudar? Antes de responder, pense: o que explica o fato de se ver alguém caído numa rua, e não se parar para ajudar? O que explica a fática ingratidão egoísta que decreta o fim de relacionamentos amorosos aos milhares, diariamente? O que explica o desrespeito com que se tratam pessoas humildes, idosas, pobres, negras? O que explica a necessidade de se criar leis criminalizantes para combater comportamentos como racismo e preconceito? O que poderia explicar a atitude de um ladrão que, já tendo auferido os lucros de seu roubo, executa sua vítima sem que esta esboce reação? O que explicaria um político rico apropriar-se de dinheiro público que serviriam a projetos sociais que atenderiam necessidades de pessoas realmente carentes? A reposta a todas essas perguntas e todas mais que se possa formular nesse sentido é uma única: A FALTA DE EMPATIA. Foi ela que possibilitou que uma nação cristã inteira fizesse pouco do holocausto de mais de seis milhões de pessoas. É a falta de empatia, também, que não nos permite meditar sobre esse número... Seis milhões de pessoas! "Não conheci nenhuma. Não eram meus parentes. Portanto, nada tenho a ver com isso". Ainda que não se pense conscientemente dessa maneira, é esse o resultado do raciocínio paradigmático que se desenvolve comumente.

Já percebeu uma coisa? Quando vemos cenas de grandes catástrofes não nos abalamos tanto quanto quando vemos o sofrimento de alguém em particular. É por isso que os filmes de Hollywood jamais tratam de temas históricos sem criar um enredo particularizante, focado no sofrimento de uma ou de poucas pessoas. É que só assim conseguimos ter empatia. Aliás, só gostamos de um filme quando "empatizamos" com o personagem - colocamo-nos em seu lugar, em sua pele.

Só que se colocar na pele do herói é fácil! É "bacana"! Por isso o mundo está cheio de "bacanas". Heróis de si mesmos que pouco têm de virtudes a não ser, talvez, as propaladas pela tv, que não são, é claro, as mais construtivas, já que valores construtivos não vendem carro nem cerveja.

Se se tiver de ter empatia, que seja para se colocar na pele do Playboy que compra um carro importado ou no do rapaz musculoso cercado de lindas louras seminuas enquanto bebe uma cerveja de sabor questionável. É assim que se constrói a 'falsa empatia', que reforça a onda de egoísmo e egocentrismo que depaupera as relações sociais, tornando o mundo um lugar pior de se viver.

Pense em tudo isso quando, da próxima vez, tratar um garçom como se fosse um 'nada', seu subarterno como se fosse seu escravo, seu cônjuge como se fosse sua propriedade.

Empatia... adote esta idéia, antes que seja tarde e o moderno "estado de natureza" degenere numa "guerra de todos contra todos" em que ninguém vencerá, como já não venceu no passado!

E, para os religiosos: quando Cristo disse "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo" (Mateus 22:39), a isso se dá o nome de EMPATIA.

Pense nisso...


"NECESSIDADES ILIMITADAS"


Há poucas certezas na vida. Destas, a maioria é relativa, ou seja, variam em função do tempo: o que hoje se apresenta como certeza absoluta, amanhã transformar-se-á em dúvida ou negação. Alguns pragmáticos (ou céticos) dizem: “a única certeza é a morte”. A esta, insofismável, eu acrescentaria outra: a insatisfação humana, que poderia também ser denotada como a “relatividade da satisfação”.
Amanhã você poderá não mais gostar das coisas que gosta hoje, não mais amar quem ama hoje, não mais pensar como pensa hoje. Pode (o que é difícil!), transformar-se numa outra pessoa, mas, com certeza, carregará consigo essa característica peculiar de todos os seres humanos - que os acompanha como uma maldição: a eterna tendência ao enfado.
Ao longo do tempo, inúmeros pensadores tentaram nominá-la, caracterizá-la, explicá-la. Os economistas referem-se a ela como “necessidades ilimitadas”, e não estão errados. É mesmo assim que se afigura tal caractere humano. Mas não somente por bens materiais como se referem os discípulos de Smith e Keynes. As “necessidades” são ilimitadas lato sensu. Assim como um carro novo que brilha aos olhos do dono após sua aquisição e depois perde gradualmente importância e brilho, igualmente ocorre com as relações interpessoais, incluindo as amorosas.
De início, o ‘namorado’ é um príncipe. Depois alguém comum. Depois, eventualmente, um sapo. A ‘namorada’, inicialmente, é a obra divina mais bem acabada na Terra. Torna-se, com o tempo, menos atrativa do que a vizinha menos “bem acabada”.
Duvida do que eu digo? Tome-se, então, por base de análise. Responda para si o que lhe faria a pessoa mais feliz do mundo, hoje. Depois de algum tempo de conquistá-lo(a), responda-se se ainda é a pessoa mais feliz do mundo. Mais que isso, responda-se com honestidade se já não objetiva outra conquista a fim de ‘ser feliz’.
Penso que isso seja ponto pacífico, não cabendo discussão séria – sem dogmatismos – a esse respeito. O que me arrasta a elucubrações acerca do tema são seus efeitos.
Creio que as conseqüências desse estigma variam em função das características individuais das pessoas. Para alguns, torna-se uma maldição que consome a vontade, o tempo, a vida, as relações, tornando-os escravos de si mesmos. São os consumistas compulsivos, os dependentes químicos, os avaros contumazes. Para outros, essa “síndrome da insatisfação eterna” causa efeitos menos perceptíveis, mas não menos danosos. Consome-se internamente na busca dissimulada por algo que não se sabe bem o que é, e se vê a vida passar sem sentido real como se vivesse à espera da felicidade que está por vir.
Esse, aliás, é o pior efeito dessa síndrome - a característica comum a todos que dela sofrem: a certeza de que a felicidade reside no dia de amanhã. Amanhã serão felizes – quando conquistarem algo que almejam muito, hoje. Sem perceberem, claro, que sua felicidade residirá no ‘depois de amanhã’, quando conquistarem algo que desejarão muito, amanhã. Uma espiral descendente alimentada por miopia coletiva e justificada por condicionamentos seculares, que consumirá uma vida inteira.
Acerca da referência que fiz sobre os condicionamentos sociais, não creio que seja difícil percebê-los. Se alguém se mostra feliz com o que tem, em termos materiais – seu carro, sua casa, suas roupas –, será taxado de indolente, preguiçoso, desinteressado, perdedor, já que não mostra “garra” para conquistar mais. É a ditadura da ambição, que se sustenta no substancial pilar do capitalismo consumista (expressão deliberadamente redundante).
Por outro lado, não difere pronunciadamente a ditadura do ego, em termos relacionais: “EU merece mais do que isso!”, alimentada por um bombardeio de ações de controle social do tipo “nossa, você se contenta só com isso?”, “Ele (ela) é uma boa pessoa, mas você realmente merecia algo à sua altura”, ou então “Beleza não é tudo. O que importa é que ele (ela) te faça feliz”, dito em tom resignado de compadecimento. Aqui os exemplos abundam de tal forma que se torna proibitivo enumerá-los.
Interessante notar que os dois processos se retroalimentam e protegem-se mutuamente. Quando se chega ao extremo da insatisfação relacional, atola-se no trabalho em busca de realizações materiais (que, claro, jamais chegarão; e se chegarem, não perdurarão como fonte de prazer). Se se naufraga na tentativa de alcançar o “sucesso” (sinônimo disseminado de realização material), busca-se uma paixão para esquecer-se do “fracasso” profissional. E assim se vai “anestesiando” a vida.
A ciência deste fato altera-o? Talvez. Depende, por óbvio, da natureza de cada um e do grau de suscetibilidade ao condicionamento social a que se está imerso. Mas eu jamais vi um problema se resolver sem que se tivesse, a priori, consciência de sua existência e dos mecanismos que o regem e pelos quais se manifesta.
A acrescentar apenas o seguinte: algumas almas são, lamentavelmente, refratárias. São as pequenas (ou grandes) hordas de egoístas contumazes, arrogantes e cheios de razão não fundamentada em RAZÃO; por vezes entrincheirados em dogmas religiosos, outras em dogmática popular, sempre armados de chavões pobres e clichês desprovidos de sentido lógico. Estes, por serem refratários, sequer são capazes de enxergar o problema, negando-o peremptoriamente, apoiados nas muletas populares que crêem ser pilares: “eu sou mais eu!”, “Isso não me atinge”, “O que importa é o que EU penso”, “Eu sou dono do meu destino”, “Eu sou assim e acabou!”. A esses, o meu desprezo emoldurado por uma parcela de pena. Aos demais, o meu compadecimento respeitoso, pois deles também faço parte.