segunda-feira, 15 de março de 2010

"NECESSIDADES ILIMITADAS"


Há poucas certezas na vida. Destas, a maioria é relativa, ou seja, variam em função do tempo: o que hoje se apresenta como certeza absoluta, amanhã transformar-se-á em dúvida ou negação. Alguns pragmáticos (ou céticos) dizem: “a única certeza é a morte”. A esta, insofismável, eu acrescentaria outra: a insatisfação humana, que poderia também ser denotada como a “relatividade da satisfação”.
Amanhã você poderá não mais gostar das coisas que gosta hoje, não mais amar quem ama hoje, não mais pensar como pensa hoje. Pode (o que é difícil!), transformar-se numa outra pessoa, mas, com certeza, carregará consigo essa característica peculiar de todos os seres humanos - que os acompanha como uma maldição: a eterna tendência ao enfado.
Ao longo do tempo, inúmeros pensadores tentaram nominá-la, caracterizá-la, explicá-la. Os economistas referem-se a ela como “necessidades ilimitadas”, e não estão errados. É mesmo assim que se afigura tal caractere humano. Mas não somente por bens materiais como se referem os discípulos de Smith e Keynes. As “necessidades” são ilimitadas lato sensu. Assim como um carro novo que brilha aos olhos do dono após sua aquisição e depois perde gradualmente importância e brilho, igualmente ocorre com as relações interpessoais, incluindo as amorosas.
De início, o ‘namorado’ é um príncipe. Depois alguém comum. Depois, eventualmente, um sapo. A ‘namorada’, inicialmente, é a obra divina mais bem acabada na Terra. Torna-se, com o tempo, menos atrativa do que a vizinha menos “bem acabada”.
Duvida do que eu digo? Tome-se, então, por base de análise. Responda para si o que lhe faria a pessoa mais feliz do mundo, hoje. Depois de algum tempo de conquistá-lo(a), responda-se se ainda é a pessoa mais feliz do mundo. Mais que isso, responda-se com honestidade se já não objetiva outra conquista a fim de ‘ser feliz’.
Penso que isso seja ponto pacífico, não cabendo discussão séria – sem dogmatismos – a esse respeito. O que me arrasta a elucubrações acerca do tema são seus efeitos.
Creio que as conseqüências desse estigma variam em função das características individuais das pessoas. Para alguns, torna-se uma maldição que consome a vontade, o tempo, a vida, as relações, tornando-os escravos de si mesmos. São os consumistas compulsivos, os dependentes químicos, os avaros contumazes. Para outros, essa “síndrome da insatisfação eterna” causa efeitos menos perceptíveis, mas não menos danosos. Consome-se internamente na busca dissimulada por algo que não se sabe bem o que é, e se vê a vida passar sem sentido real como se vivesse à espera da felicidade que está por vir.
Esse, aliás, é o pior efeito dessa síndrome - a característica comum a todos que dela sofrem: a certeza de que a felicidade reside no dia de amanhã. Amanhã serão felizes – quando conquistarem algo que almejam muito, hoje. Sem perceberem, claro, que sua felicidade residirá no ‘depois de amanhã’, quando conquistarem algo que desejarão muito, amanhã. Uma espiral descendente alimentada por miopia coletiva e justificada por condicionamentos seculares, que consumirá uma vida inteira.
Acerca da referência que fiz sobre os condicionamentos sociais, não creio que seja difícil percebê-los. Se alguém se mostra feliz com o que tem, em termos materiais – seu carro, sua casa, suas roupas –, será taxado de indolente, preguiçoso, desinteressado, perdedor, já que não mostra “garra” para conquistar mais. É a ditadura da ambição, que se sustenta no substancial pilar do capitalismo consumista (expressão deliberadamente redundante).
Por outro lado, não difere pronunciadamente a ditadura do ego, em termos relacionais: “EU merece mais do que isso!”, alimentada por um bombardeio de ações de controle social do tipo “nossa, você se contenta só com isso?”, “Ele (ela) é uma boa pessoa, mas você realmente merecia algo à sua altura”, ou então “Beleza não é tudo. O que importa é que ele (ela) te faça feliz”, dito em tom resignado de compadecimento. Aqui os exemplos abundam de tal forma que se torna proibitivo enumerá-los.
Interessante notar que os dois processos se retroalimentam e protegem-se mutuamente. Quando se chega ao extremo da insatisfação relacional, atola-se no trabalho em busca de realizações materiais (que, claro, jamais chegarão; e se chegarem, não perdurarão como fonte de prazer). Se se naufraga na tentativa de alcançar o “sucesso” (sinônimo disseminado de realização material), busca-se uma paixão para esquecer-se do “fracasso” profissional. E assim se vai “anestesiando” a vida.
A ciência deste fato altera-o? Talvez. Depende, por óbvio, da natureza de cada um e do grau de suscetibilidade ao condicionamento social a que se está imerso. Mas eu jamais vi um problema se resolver sem que se tivesse, a priori, consciência de sua existência e dos mecanismos que o regem e pelos quais se manifesta.
A acrescentar apenas o seguinte: algumas almas são, lamentavelmente, refratárias. São as pequenas (ou grandes) hordas de egoístas contumazes, arrogantes e cheios de razão não fundamentada em RAZÃO; por vezes entrincheirados em dogmas religiosos, outras em dogmática popular, sempre armados de chavões pobres e clichês desprovidos de sentido lógico. Estes, por serem refratários, sequer são capazes de enxergar o problema, negando-o peremptoriamente, apoiados nas muletas populares que crêem ser pilares: “eu sou mais eu!”, “Isso não me atinge”, “O que importa é o que EU penso”, “Eu sou dono do meu destino”, “Eu sou assim e acabou!”. A esses, o meu desprezo emoldurado por uma parcela de pena. Aos demais, o meu compadecimento respeitoso, pois deles também faço parte.


Um comentário:

  1. Parabéns querido sobrinho pelo belo artigo. Nós, os humanos ditos "normais", recebemos dois presentes quando aqui chegamos: 1- um buraco, o "buraco" da insatisfação, que nos faz buscar satisfazer nossas necessidades básicas. Esse "buraco" é que nos move no mundo. No mundo moderno, que alarga esse buraco, também nos move em direção ao consumo desenfreado, ao desejo de constante renovação seja no campo material como no sentimental. 2 - recebemos também, diferentemente dos animais irracionais, a capacidade de reflexão. É a reflexão que nos faz manter o buraco na medida das nossas reais necessidades. Quando a reflexão está obnubilada, tendemos a deformar o tamanho do buraco da insatisfação. Daí a insatisfação se torna desproporcional, o ser humano sai numa louca e desenfreada busca da sua satisfação perdida, que, pensa, poderá preencher esse buraco que só se alarga e aprofunda mais.

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