quarta-feira, 24 de março de 2010

Sobre como não suporto meu doce preferido ou a síndrome da lesão por esforço repetitivo



Não é que eu queira revolucionar conceitos. Nem tampouco contrariar dogmas seculares. É que alguns conceitos e dogmas seculares simplesmente prescindem de argumentos contestadores, porque não resistem a meia dúzia de conjecturas analítico-racionais. Daí, meu desinteresse em combatê-los.
Vejamos: para quê combater algo que todos defendem, mas se contradizem com seus próprios atos? Perda de tempo. Aliás, há muito deixei de lutar contra a natureza humana – e a contradição é uma de suas peculiaridades mais marcantes!
Dizem: “eu quero somente a uma pessoa, e serei feliz com ela para sempre!”. Dizem-no, claro, para se credenciarem à condição de críticos dos que não o fizerem. Mas, interessante notar, não raro, contradizem-se silenciosamente, amancebando-se às escondidas para não perderem o status de guardiões da pseudo-moralidade.
Não os culpo. São vítimas cegas de um sistema idiotizante, de fundo político-religioso, que tenta, por séculos, milênios, adaptar a natureza humana a padrões que atendem a interesses restritos, sob a aparência de ‘coletivos’, geralmente ligados à manutenção de poder (econômico, político ou religioso). Aliás, a ignorância de muitos, sempre foi o trunfo de poucos.
Séculos, milênios de condicionamento antinatural não teriam, por óbvio, outro resultado que não um mundo de contradições e incongruências, bem como a formação de uma “cegueira coletiva” sustenta o processo.
A hipocrisia está na raiz do sistema, que promete o paraíso no futuro, mas oferece purgação por toda a vida – daí a necessidade de se criar a expectativa de direito ao paraíso extraterreno.
Ora, se a raiz é hipócrita, como haveriam de ser seus frutos? Não se pode esperar, então, que o (ou a) pobre coitado(a), pagador(a) de contas, prostrado(a) pela quebra sistemática de suas expectativas de vida – uma a uma, ao longo de sua vida -, consiga, sem esforço, discernir entre suas atitudes declaradas, não declaradas e sua expectativa acerca das atitudes de terceiros.
Entretanto, ignorar a verdade não a torna mentira. E um dos inumeráveis elementos de contradição, que se mostra real pela prática (geralmente não declarada) e, ao mesmo tempo, execrado pela moral secularizada é a máxima: “quero só a ti, jamais quererei mais alguém, e serei eternamente feliz assim”.
Bem, claro que isso é uma bobagem utópica descabida. Exceto para alguns “infinitésimos fracionais” que, realmente, excedem a regra (natural, não a imposta!), por sua natureza extravagante. Há, sim, alguns poucos (mas bem poucos mesmo!), que simplesmente não se seduzem por nada mais do que aquilo que têm e vivem verdadeiramente felizes assim. Entretanto, não se iluda: você, provavelmente, por uma razão estatística, não é um desses! Mas, certamente, também por razões estatísticas, se diz ser! E está apto a provar que é, com suas atitudes declaradas.
Como eu disse, não pretendo brigar por causa alguma! A matemática, a lógica, a estatística, os jornais, as novelas, seus vizinhos, estão aí para comprovar o que eu digo.
Ainda que se negue veementemente, não há argumentos contra fatos. As “camisas de força” sociais estão enfraquecendo. Os artificiais “mandamentos” estão perdendo terreno em relação aos naturais impulsos humanos. Negá-lo é idiotizar-se ainda mais e combatê-lo é reeditar, extemporaneamente, erros consagrados como tentar galvanizar, à força, as formas livres do espírito humano. Melhor entendê-lo.
Um bom início é livrar-se das amarras da hipocrisia. “Eu posso, você não pode. Por isso parecerei não querer para que você não queira também”. Isso me dá náuseas...
Outra medida de bom alvitre é observar o óbvio – ainda que ele coloque em risco sua realidade “virtual” fundamentada em “dizer uma coisa e pensar (ou fazer, ou desejar) o inverso”. E um desses fatos óbvios é que você, seu (ou sua) parceiro(a), seus vizinhos, seus parentes, a maioria maciça das pessoas, enfim, jamais se contentará com uma única companhia, ao longo de toda a sua vida, sem que, no mínimo, algum dia, venha a desenvolver interesse por outra. Isso é tão claro e insofismável quanto o fato de você não conseguir ter apenas um amigo, conversar com apenas um colega de trabalho, gostar de apenas um tipo de refeição, usar apenas um tipo de roupa, amar apenas uma pessoa ao longo de sua vida.
Coisas assim soariam (futuro do pretérito dado a irrealidade do fato!) antinaturais. Absurdas. Ninguém consegue suprir completamente à outra pessoa, ainda que se jure (motivadamente, claro!) em contrário. É impossível (exceto para aquele seleto e quase-extinto grupo supra-referido)!
Isso explica acontecimentos cotidianos como o fato de um sujeito trocar sua mais-que-deslumbrante mulher, esposa, namorada, “ficante”, por outra, muito menos deslumbrante. Claro que em uma separação não influi apenas um fator, mas este, certamente, compõe o mosaico. Explica o motivo pelo qual o seu doce predileto se torna insuportável se você comer apenas dele, bem como sua casa se torna uma prisão se você não visitar outros lugares.
“Isso é um absurdo! Esse cara é um imbecil!”. Espero que você não tenha pensado isso. Mas, se pensou... A injúria é o argumento de quem não tem razão. Por isso, obrigado por concordar comigo. Agora, se, diversamente, buscou contra-argumentos, um deles, certamente foi: “não se compara amor a um doce, ou a uma casa”. Ou ainda: “Doces eu como diversos, mas amar, eu amo a apenas uma pessoa”.
Ok. Sem problemas! “Cada um é cada um”. Mas, convenhamos: alguém que se deu o trabalho de buscar argumentos, pode tentar expandir o raciocínio a fim de não cair no lugar comum do condicionamento social, certo? Afinal, você ama só a uma pessoa? Se ama, como explica amar também seus pais e seus irmãos? Ah, é que são classes diferentes de pessoas, certo? Ok! Então como explica amar a mais de um amigo? Amigos são da mesma classe de pessoas. Ah, mas o amor “homem-mulher” é diferente, certo? Então casais homossexuais não se amam? Ops... Você não estaria confundindo amor com paixão?
De fato, é impossível apaixonar-se por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Não há espaço para tanto. Mas amar... claro que é possível! E se amar a mais de uma pessoa concomitantemente é perfeitamente possível, o que se dirá sobre desejar mais de uma pessoa?
Eu não estou inventando nada! Como eu disse, está tudo aí, para todo mundo ver! É só uma questão de intelecção. Negar é estupidez ou hipocrisia (prefiro a primeira hipótese!). Combater é burrice ou hipocrisia (idem!). Aceitar e buscar meios de entender e conviver com a realidade da qual não se poderá escapar é digno de quem tem algo mais a fazer na Terra do que “fazer de conta”.
Está na natureza humana: a reedição sistemática e prolongada de determinada condição leva à exaustão. Começa-se a se esforçar para manter a aparência de ilibado(a), de satisfeito(a), e afunda-se em vidas infelizes e cheias de cobranças e acusações. É como uma síndrome de esforço repetitivo que causará lesão, mais cedo ou mais tarde. E, no final, profere-se amargurado(a): “eu tive de aturar você a minha vida inteira”, ou apenas questiona-se em silêncio resignado: “valeu a pena?”. O travesseiro tem a resposta.
Ah, sim! Para aqueles que, maldosamente, lograrem levantar julgamentos acerca do que escrevi, argumentando, eventualmente, que ‘escrevo em causa própria’: na verdade, escrevo em causa alheia, como uma contribuição (convicta da não-aceitação geral; portanto, resignada!) à reflexão. Quanto a mim, há muito essas incongruências se resolveram. Espero, isso sim, que mais pessoas rompam seus grilhões seculares e passem a interagir de forma mais construtiva. Vivam mais suas vidas e menos as vidas alheias. Vivam e deixem viver... E o mundo se torne um lugar menos chato. Nesse sentido, sim, escrevo em causa própria.



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