terça-feira, 19 de janeiro de 2010

EXCERTO DE 'O JOGO'


EXCERTO DE UM LIVRO, EM FASE DE FINALIZAÇÃO, DENOMINADO PROVISORIAMENTE DE “O JOGO”



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Depois de viverem os prazerosos momentos de descoberta mútua, trocas afetivas, entregas amorosas condicionais, o casal entra numa fase caracterizada pelo aumento da freqüência de testes, cobranças, acusações e brigas. A monotonia devida à ausência de elementos de descobertas, favorece o surgimento deste tipo de comportamento.
Isso é natural e todo casal, seja de namorados, esposos, amantes, passa por isso; e é nesta fase que “o jogo” se definirá.
O processo é, basicamente, o seguinte: a ausência de novidades e descobertas leva à monotonia. Esta, causa um desconforto que resulta na diminuição de manifestações afetivas. Esta diminuição causa certa insegurança em ambos, mas principalmente naquele que está mais envolvido ou apaixonado. Este sempre inicia o processo.
Por sentir que diminuíram as manifestações de afeto por parte da outra pessoa, torna-se inseguro e inicia a fase de testes e cobranças. Os testes visam obter confirmações indiretas de que ainda se é importante para a outra pessoa. As cobranças são artifícios de confirmação direta.
Ambos, no entanto, indicam a mesma coisa: medo e insegurança. E ambos, também, desencadeiam um processo de conseqüência lógica: o revide sistemático que será a base para o surgimento de brigas declaradas e de acusações.
É aqui, nesta fase, que se abusa da utilização daquelas ‘ferramentas sujas’ de manipulação, descritas anteriormente.
A cada briga, a cada cobrança, séries de estratégias são postas em prática e novas são criadas. Os interesses, que antes eram construtivos, agora são destrutivos.
Isso não quer dizer que não haja amor entre ambos. Há! Provavelmente ambos estão envolvidos emocionalmente – um mais do que o outro, invariavelmente.
Mas a paixão se foi. Senão para ambos, ao menos para um. Aquilo que antes era suspiro e êxtase, agora é um misto de satisfação serena, ânsia por retomar o ‘fogo da paixão’, dúvidas e inseguranças.
Por sentirem falta do calor inicial que os consumia de forma tão prazerosa, tentam resgatá-lo. É quando se busca alternativas como explorar fantasias ou reeditar as atmosferas de magia do começo. Aqui entram novamente, de forma extemporânea, as lingeries provocantes, os passeios românticos, o envio de flores, compra de presentes fora de datas comemorativas, coisas assim.
Isso constitui uma busca desesperada (consciente ou inconsciente) por resgatar sentimentos que se experimentou no início, mas que agora já não existem.
O problema é que tal resgate é impossível, visto que estes sentimentos nutriam-se de alguns elementos que agora não mais existem por sua própria natureza.
Um deles – o principal – é a novidade. Não há mais nada de novo por baixo daquela lingerie nova! Não há mais mistério sob aquela camisa de linho. Conhece-se cada detalhe e cada movimento. Tudo se torna previsível. Aquelas palavras já foram ouvidas. Aqueles toques já foram sentidos à exaustão.
É aqui que se instala uma sensação conhecida por todos e que acompanhará a maioria pelo resto da vida: a sensação de ‘vazio’.
O ‘vazio’ a que tantos se referem e outros o negam falsamente, por orgulho, consiste na ausência dos estímulos aos sentidos experimentados no passado, dos quais não se dispõe mais, no presente. Busca-se por algo que ‘não se sabe o que é’.
Essa busca pode durar a vida toda, caso não se a compreenda. Aqui, mais um exemplo da necessidade e da importância de se conhecer a verdade, já que somente assim se pode mudar e, por conseguinte, evoluir.
Passa-se a vida toda à busca de algo que não se sabe o que é. Entrega-se ao consumismo, às drogas, a terapias, a casos extraconjugais (efêmeros exatamente por este motivo: a novidade se esvai em pouco tempo!), quando, na verdade, não há solução para este problema a não ser encarar a verdade: aquelas sensações são efêmeras, e deve-se aprender a conviver com isso.
Isso, no entanto, não quer dizer que não seja bom. Apenas não retira suspiros de excitação decorrente da expectativa da novidade.
Não há nada, absolutamente nada errado nisso! É um processo natural pelo qual passam todos os casais, sem nenhuma exceção. É da natureza do ser humano desinteressar-se pelo que não constitui novidade. Se não acredita, pense em como se sentia uma semana após comprar seu carro novo, e como se sente agora, com um ou dois anos de uso.
A novidade brilha aos olhos e aos sentidos das pessoas. Isso explica em partes, a compulsão à traição. Entretanto a obrigação social e legal da monogamia cria um paradoxo que se assemelha àquela da Economia: “O ser humano possui necessidades ilimitadas, porém os recursos são limitados”, o que acaba criando um ‘custo de oportunidade’, que consiste, nesse caso, em ter de abrir mão de oportunidades de ‘novas experimentações’ em favor de manter a segurança da relação.
Nada de errado há no desaparecimento da novidade. Ele é inevitável e se não se adaptar a isso, estar-se-á fadado a ter-se de iniciar uma nova relação amorosa a cada semestre.
O problema é como se portar em face desta perda aparente de qualidade na relação. Normalmente porta-se da pior maneira, por medo.
O medo decorre da vaidade e da insegurança (novamente as ‘chagas humanas’ presentes!). Sente-se medo por insegurança: não se quer perder o porto razoavelmente seguro que se construiu. E sente-se medo por vaidade: não se quer conviver com a idéia de que o fracasso pode ter sido decorrente de sua falta de talento para a conquista e manutenção da relação.
O insucesso (não declarado, mas silenciosamente constatado) nas tentativas de ‘reaquecimento’ da relação, ou seja, na busca pelo que já não existe mais e é impossível de existir entre ambos, leva ao acirramento do ‘jogo’ e à cobrança de uma definição para a situação.
É o início da fase mais desgastante.
Ambos sentem e se ressentem pelo ‘esfriamento’ da relação. Mas, invariavelmente, os ‘ataques’ e cobranças partirão da parte mais dependente emocionalmente. Este é um bom indício de quem deverá ‘vencer’ o jogo. Quase sempre, a parte mais ‘envolvida’ nesta fase, acaba se ‘rendendo’. A reversão é cada vez mais difícil, agora.
Isso é assim porque, partindo os ataques, cobranças e acusações do lado mais dependente da relação, este assumirá o risco de ser o causador da crise, e cada vez mais, se não tiver extrema habilidade, tornar-se-á inferiorizado.
É como areia movediça: quanto mais se debate, mais se afunda.
Uma distinção importantíssima de se observar, sem a qual não entenderemos o processo, é que, agora, o objetivo não é mais aumentar o seu valor absoluto, pela conquista da outra pessoa! O que se busca agora é aumentar o seu valor relativo pela degeneração da imagem da outra pessoa. Em outras palavras, não se quer (e virtualmente não se pode mesmo!) mostrar ou provar de forma concreta seu próprio valor. O objetivo agora é aumentá-lo de forma relativa, por comparação ao valor da outra pessoa. E como fazê-lo? Denegrindo-a.
É o princípio do contraste. Torna-se mais ‘belo’ à medida que a outra pessoa torna-se mais ‘feia’. Como não se pode tornar seu carro mais bonito, risca-se a lataria do carro do vizinho para que o seu ganhe valor relativo.
O motivo pelo qual não se pode mais aumentar o seu valor na relação é porque já se mostrou o seu melhor à outra pessoa. Na fase da conquista, tudo o que se fez foi mostrar e exaltar virtudes. Defeitos foram escondidos. Agora começam a aparecer e denigrem a imagem ideal forjada inicialmente.
Associa-se, este fato, ao esfriamento natural da relação.

Os pensamentos predominantes são:

“Será que ele já enjoou de mim? Por quê? Eu faço tudo o que posso para dar-lhe o meu melhor. É verdade que eu tenho sido dura, às vezes. Exigente... um pouco agressiva. Mas quem não tem defeitos? Ele também já não me trata como no começo. Só que ele não enxerga seus próprios defeitos. Só os meus. É egoísta, insensível e arrogante. Mas não admite isso”.

“O que ela pensa? Eu faço de tudo para agradá-la, dou-lhe o meu melhor, mas ela nunca está satisfeita! O que será preciso para satisfazê-la? Talvez eu não seja suficiente para ela. Só vê meus defeitos! Eu nunca sou adequado. Lembro-me de como ela era diferente no começo! Era doce, compreensiva, paciente, carinhosa... Olha só no que se tornou! Deve ter dissimulado tudo só para me conquistar. E depois que pensa que consegue, mostra a cara!”.

Dizer que não se pode aumentar seu valor na relação nesta fase não é exatamente verdadeiro. O que acontece é que as oportunidades de demonstrar virtudes se tornam cada vez mais escassas, já que se conhece bem a outra pessoa após algum tempo de relacionamento e a variação de situações é cada vez mais restrita.
Assim, ao se perceber que não se pode mais ‘encantar’ com demonstrações de dotes e virtudes (seu estoque chegou ao fim) passa-se a tentar mostrar à outra pessoa o quão ela é falha a fim de fazê-la, por contraste, enxergar ou valorizar o que recebe.
Aqui entram as ‘ferramentas sujas’ vistas anteriormente.
O roteiro é conhecido de todo mundo. Começa sempre com algumas frases típicas que se repetem sem grandes variações:

“Você está estranho hoje!”

“Está tudo bem com você? Eu fiz alguma coisa?”

“No começo, você prestava mais atenção em mim.”

“Você parece que não curte mais sexo como no começo”.

“Tudo bem, eu já estou mesmo me acostumando...”.

Esses são sinais de que o momento chegou! O que se segue é a popular ‘discussão da relação’. E, claro, ela resultará em fracasso na maioria das vezes.


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