sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Reflexão (continuação)

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Eu, você, todos nós somos ‘socializados’: estamos aptos a viver de forma simbiótica na sociedade, integrados totalmente à cultura que nos rodeia. Se assim não fosse, não teríamos amigos, seríamos discriminados, apartados.
Mas como se dá a enculturação do indivíduo?
Tomando de empréstimo os ensinamentos do 'socrático' professor Filardi, sem esperar, claro, reproduzi-los com o mesmo brilhantismo sarcástico, imaginemos um recém-nascido. Não há, ainda, cultura alguma adquirida por ele. Essa criança precisará aprender os símbolos culturais para que o processo de enculturação flua. Símbolos como a fala, os gestos, entonações de voz, escrita, servirão de ferramental a fim de que toda a bagagem cultural que a criança precisa adquirir lhe seja internalizada.
O condicionamento social começa desde cedo: “Isso pode, isso não pode”, “Isso é feio”, “Parabéns! Você é orgulho da mamãe”, “Isso é pecado”.
O “ensinamento” se assemelha ao processo de condicionamento utilizado para adestrar animais: punição e recompensa. Se a criança faz algo que agrade aos pais (algo 'certo', ou, em outras palavras, algo considerado adequado aos padrões de convívio social), recebe recompensa na forma de elogios, agrados, incentivo, presentes. Se, por outro lado, age de forma avessa às expectativas culturais, sofre punições (censuras, castigos, palmadas). Isso condiciona a criança a ‘adaptar-se’ a um padrão pré-estabelecido. Ela tem de aceitá-lo! Não tem opções.
Por volta dos seis anos a criança é elevada a um segundo nível de socialização: a escola. Lá, ela, que já aprendeu em casa a simbologia básica, será submetida a uma nova etapa de aprendizado de símbolos, valores e normas: a educação formal.
História, língua pátria, geografia, ciências biológicas, matemática - a educação formal. Cada disciplina cumprindo uma tarefa subjacente no processo de preparação do indivíduo para a plena integração social no futuro.

Começa a entender que sua língua lhe dá identidade, aproximando-o de alguns e distanciando-o de outros. Desenvolve raciocínio lógico, identificação com a pátria, conhece "heróis" nacionais. E, sobretudo, aprende um novo grau de disciplina – a disciplina coletiva.
Os métodos não são muito diferentes do que já se habituara: punição e recompensa: “Parabéns, você tirou dez! É um exemplo para a classe!” ou então “Que vergonha! Você não toma jeito mesmo, né? Foi mal de novo! Trate de estudar mais”.
Bem, à essa altura, nosso pré-adolescente já deverá estar quase totalmente ‘apto’.
Mas pode haver algum desvio. E ele será corrigido na próxima etapa: o ensino superior.
Ali o indivíduo será treinado para produzir! Aprenderá habilidades técnicas com um fim específico: ingressar no mercado de trabalho e concorrer! Concorrer, lutar, disputar, brigar, ser o melhor. E produzir! Sempre!
Esperavam o quê? Numa sociedade capitalista qual haveria de ser o objetivo final?
Caso haja, ainda, algum ‘desvio’ na formação integral do indivíduo, ele será ali corrigido. Mas ainda há uma chance (mínima) de algum resignado contestador ter sobrevivido. Aí então vem a prova final. O grande desfecho, a etapa derradeira: o casamento e os filhos!
Aqui, o ‘golpe de misericórdia’ naqueles que insistiram em não ‘dançar conforme a música’. E é óbvio que ele (ou ela) tem de se casar – caso isso não aconteça receberá punições intensas na a forma de censura: “Nossa! Você ainda não se casou? Precisa deixar herdeiros, heim?”. “Não vai deixar ‘sementes’, não?”. “Você precisa de alguém!”, “Se não tiver filhos, quem vai cuidar de você quando envelhecer?”.
A pressão é forte e constante.
E então acaba acontecendo! Vem o casamento. Vêm os filhos. E... pronto! A imprescindível instituição ‘família’ está formada. A socialização está completa!
Nas palavras do supra-referido professor: “Antes, se o patrão chegasse para o sujeito e lhe dissesse: ‘Você é um incompetente de merda, inútil e imbecil’, ele responderia: vai tomar no..., seu filho da ...!’ Mas, depois que seus filhos nascerem, ele responderá: “Perfeitamente, senhor! O senhor tem toda razão! Sou mesmo um merda!”.
É cômico e caricaturado, claro! Mas não se afasta muito da realidade.
Assim se dá a socialização.
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