domingo, 24 de janeiro de 2010

Mundo Pitoresco


Ontem, ao me deitar, lendo um livro antiqüíssimo chamado “Mundo Pitoresco” que relata a vida cotidiana de diversos povos ao redor do globo, seus costumes, vestes, história, detive-me sobre uma foto que retratava a sociedade dos ‘sokols’ (antiga Tchecoslováquia) e pus-me a pensar sobre aquilo. Por se tratar de uma foto do início do século XX – período entre guerras -, todos (eram dezenas de milhares de pessoas perfiladas, fazendo, coreograficamente, exercícios físicos), sem qualquer exceção, já estão mortos hoje, bem como as outras dezenas de milhares de pessoas que os assistiam nas arquibancadas. Pensei: ‘todas essas pessoas, cada uma delas... tiveram uma estória. Viveram vidas comuns, como as nossas. Riram, choraram, amaram, trabalharam, decepcionaram-se... Eram pessoas ricas, pobres, belas, feias, cultas, alienadas... E deles, hoje, não há mais ninguém.
Provavelmente suas estórias foram contadas por seus filhos (que talvez já estejam mortos também) de forma resumida aos seus netos, e estes, talvez, tenham feito uma ou duas menções ao bisnetos, completamente desinteressados. Noutras palavras, suas estórias se apagaram. Deles, que agora são anônimos, nada mais restou.
Num outro trecho do livro, li sobre a construção da catedral de Colônia (Alemanha), que levou mais de seiscentos anos e foi concluída na segunda metade do século XIX. Pensei sobre seis séculos de gerações de trabalhadores daquela construção, suas vidas, suas estórias. Todas perdidas para sempre. Estórias pessoais, feitos gloriosos, esperanças, tudo perdido, esquecido para sempre.
Carl Haub, pesquisador norte-americano estima que cerca de cento e seis bilhões de pessoas (número cumulativo) já pisaram sobre a terra. Detenhamo-nos por um instante sobre esse número. Todas as almas vivas, hoje, totalizam cerca de seis bilhões. Mais de cem bilhões já se foram. Destes, conhecemos a estória, salva pela História, de alguns milhares. O resto desapareceu para sempre. Mas veja: cada uma dessas pessoas, sem exceção, teve uma vida como a minha, como a sua... uma vida! Uma vida que se acaba e, muito provavelmente não deixará vestígios.
Este pensamento nos leva a refletir... quão insignificante somos, apesar da nossa empáfia de, no íntimo, julgarmo-nos tão... importantes! Somos, em nosso julgamento mais íntimo, melhores que nossos vizinhos, mais belos que nossos amigos, mais inteligentes que os milhares de anônimos que nos cercam. O mundo levita ao nosso redor! Somos ‘pequenos deuses’ em nosso íntimo e, por vezes, ainda dizemos, como que para justificar e reforçar a convicção: “não sou dono do mundo, mas sou filho do Dono” – frase de conveniência ímpar para reforçar a sedimentação do conceito de que se é ‘o melhor’, uma vez que o ‘herdeiro legítimo’ do dono de tudo, é também, dono de tudo!
Esquecemo-nos, por óbvio, que todos os demais ‘seis bilhões menos um’, são também ‘herdeiros’. E essa empáfia nos cega. Alimenta nosso orgulho e nosso egoísmo e, em conjunto com outras máximas (há centenas delas) e elementos de condicionamento social, cristaliza, solidifica na sociedade, de forma geral, a sensação de ‘prioridade’: “eu venho em primeiro lugar”, “Primeiro os meus interesses”, “Se está bom pra mim, f... o resto!”.
E do alto dessa arrogância daltônica, esquece-se que... daqui a cem anos, não haverá mais que uma foto com um rosto anônimo, desprezada por quem a olha apressado, interessado mais em si do que nos outros, por ser ‘filho do Dono’.

Esse é mesmo um 'mundo pitoresco'!

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