domingo, 2 de maio de 2010

Grandes invenções sociais desagregadoras - parte I: A Cobrança


Depois que inventaram a “cobrança” ficou fácil desonerar-se da responsabilidade pela falta de reciprocidade, não acha? É simples assim: A e B se aproximam: A age proativamente em relação a B, pagando-lhe atenção, carinho, cuidados, zelo. B, apesar de demonstrar satisfação com o fato, prossegue agindo apática e desidiosamente em relação a A. A, por sua vez, desestimula-se com o fato e tem de optar por uma de três alternativas: a) permanece agindo diligentemente, ignorando a falta de reciprocidade e assumindo os riscos demeritórios que tal escolha implica; b) suspende a atitude proativa na esperança de que B “se toque”; ou c) comunica a B que a ausência de reciprocidade acabará por desestimular-lhe a continuar a agir zelosamente.
Na primeira hipótese, A transformar-se-á, provavelmente, em alguém desimportante permanentemente, já que nem a si próprio dá valor. Quem lhe daria então?
Na segunda hipótese (a mais comum), a ruptura brusca do modelo pode surtir algum efeito positivo, mas isso dependerá do quanto B depende emocionalmente de A. Pode ser um tiro no pé, já que se trata de motivação emocional.
Na terceira, menos comum, mas, em tese, mais eficiente, dois prováveis desfechos se delineiam: B compreende racionalmente a insuficiência de seus atos em relação a A e revê sua maneira de agir. É provável, até, que B se sinta lisonjeado por notar que sua atenção é importante para alguém. O segundo desfecho é o mais corriqueiro, infelizmente: B se sente ‘cobrado’ por A e simula (ou pior: sente mesmo!) desapontamento e indignação por isso (dada a sua imaculada altivez fundada em sólido bloco de ignorância egoísta monolítica) e, evidentemente, “chuta o balde”.
Como eu disse no início, depois que inventaram a ‘cobrança’, ninguém mais se responsabilizou pela insuficiência de sua capacidade de agir com reciprocidade. É uma pena! Mas quem disse que as ‘invenções’ culturais são agregadoras?



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