quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sabedoria embotada



Li, outro dia, frase assim: “O sábio procura a ausência de todas as dores. Não o prazer”. Não fazia referência à autoria, mas, seja de quem for a pérola, acredito que poder-se-ia comodamente trocar a palavra “sábio” por “covarde” sem perda de nexo. Aliás, ao contrário, talvez dessa maneira a frase faria algum sentido.
Essa é uma discussão antiga. Nasceu na Grécia pós-clássica, com os estoicistas e hedonistas, estes, basicamente, defendendo a busca pelo prazer; aqueles, o afastamento da dor. Atravessou séculos e Locke a retomou com certo relevo, já na idade moderna.
Muito se distorceu a respeito das idéias de Zenon, Epicuro e outros que buscavam o sentido da felicidade à luz da filosofia.
Hoje tais noções estão caricaturadas, deformadas propositalmente e poucos se apercebem do fato. Longe, bem longe do sentido original das vertentes filosóficas, associa-se atualmente ao hedonismo, alto grau de sensualismo e ao estoicismo, sentido de resignação monástica.
Mas, distorcidas ou não, ignoradas ou não, antigas contradições filosóficas continuam presentes, ainda que não percebidas como tais, em nosso cotidiano. Jamais, aliás, abandonaram nosso íntimo. Afinal, devemos evitar a dor ou buscar o prazer? O que vale mais a pena na curta vida que temos para viver?
Em análise breve constatamos que, apesar de as evidências mostrarem o contrário, parece que predomina, hoje, a tendência de se tentar evitar a dor. Sim, a liberação afetivo-sexual da juventude parece contradizer-me. Entretanto, há, nela, outra contradição que a coloca em xeque em sua essência: o prazer buscado nessa liberação tem o condão de satisfazer parcialmente, restando a necessidade do enamoramento para complementar o que se aspira: o prazer completo. Em outras palavras: transar é bom, mas não traz felicidade. Esta, só virá quando se transar com quem se ama, ou melhor, com a pessoa por quem se apaixonou. E aí é que vem a contradição: teme-se, morre-se de medo de se apaixonar, por medo de vir a sofrer posteriormente. Guarda-se, evita-se a todo custo entregar-se – não o corpo. O coração! E aí se crê que a sociedade é hedonista, contumaz perseguidora do prazer. Bobagem. Usam essa fachada para confundir a visão, fazendo-lhes parecer “descolados”, destemidos, auto-suficientes – exatamente como um “deusinho” tem de ser! Mas na verdade são todos covardes. Borram-se de medo de se apaixonarem, mesmo acreditando que somente assim serão realmente felizes (é aquela velha estória da criação cultural fictícia direcionada ao consumo e à manutenção da ordem social - vide publicações anteriores a respeito), sentirão o prazer por completo. Aí, limita-se a se envolver "somente" até certo ponto. Ou seja: evita-se a dor. A busca do prazer é mais aparente do que real.
O problema é o seguinte: o tempo é limitado. A vida é curta. E quando se percebe a besteira que fez, não há mais tempo de corrigi-la. Gastou-se a vida agindo covardemente, fugindo da possibilidade de se experimentar o prazer de fato – e, por conseguinte, a felicidade, uma vez que ambos os conceitos são, tradicionalmente, associados. Não espanta que pouco reste de brilho de esperança às pessoas de meia idade e nenhum aos idosos!
Intrépidos e destemidos “deusinhos” e “deusinhas”... acordai-vos uns aos outros enquanto é tempo...




Um comentário:

  1. Muito boa observação, eu simplesmente achava que o mundo de hoje é uma busca ao hedonismo, claro. A nossa educação que é um controle social, nos faz pensar assim, mas refletindo.Sim, as pessoas procuram não sentirem dor.Beijos

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