quinta-feira, 26 de julho de 2012

O CANDIDATO DE UM ÚNICO VOTO

Imagine uma propaganda eleitoral com o seguinte teor:

"Prezado cidadão, meu nome é José da Silva. Tenho 36 anos, sou casado e pai de 3 filhos. Resido na rua Alfa, nº 100, no Bairro Beta, nessa cidade de Sigma. Após meditar bastante sobre como a política tem sido conduzida em nossa cidade e em nosso país, compreendi que não se poderá esperar por mudanças se os modelos de se fazê-la, não forem mudados, e que nada pode ser mudado se não mudarmos nossa atitude. Por isso, decidi candidatar-me para tentar, eu mesmo (e, tomara, com a ajuda de outros iguais a mim), realizar mudanças que possibilitem nos sentirmos mais dignos e respeitados como cidadãos.
Assim, e para mostrar-lhe que minha natureza difere daquela que você abomina, coloco, desde já, à sua disposição, a relação de bens que possuo na data presente:

- 01 casa financiada - valor: R$65.000,00.
- 01 carro modelo ---, ano --- - valor: R$25.000,00.
- 01 conta poupança com um saldo de R$5.5000,00.

A fim de demonstrar a evolução de minhas finanças, divulgarei, caso seja eleito, demonstrativos anuais de vencimentos, bem como minha declaração de renda.
Uma vez que discordo da maneira como a política tem sido praticada em nosso país, tomarei, desde já, algumas providências:

- Em minha campanha, não distribuirei, senão pessoalmente e em mãos, "santinhos" com meu nome e número, vez que entendo ser um "crime" jogar-se tanto papel fora, num país em que se desmata um Estado de Sergipe por ano. Além disso, penso ser inócua e desrespeitosa tal prática, já que, um eleitor inteligente não escolherá um candidato pela quantidade de papel que jogou na rua, mas sim, ao contrário, votará naquele que prestigiou a sua inteligência e a limpeza da cidade.

- Como acho um desrespeito com o eleitor gritar-lhe aos ouvidos um jingle, um slogan, um nome e um número, porque entendo que um candidado deve ser eleito por suas propostas e não pela repetição de seu número, não promoverei minha campanha em carros de som.

- Uma vez que discordo da forma como são feitos comícios e carreatas, que nada acrescentam ao eleitor, senão barulho e uma sensação de insulto à sua inteligência e dignidade, deles, igualmente, não participarei.

- Já que preciso mostrar-lhe minhas propostas (e isso eu não conseguiria fazê-lo em comícios e carreatas, ainda que eu quisesse), receber-lhe-ei em minha residência todos os dias úteis até o fim da campanha, para explicá-las e sanar-lhe qualquer dúvida.

- Caso não tenha condição de comparecer, entre em contato comigo pelo telefone xxx, que eu, após as 18:00, na data que lhe aprouver, terei o máximo prazer em ir até a sua casa para que você conheça a a mim e às minhas propostas.

- Desde que eu pretendo fazer política de uma forma diferente, advirto-lhe desde já que não oferecerei nenhum benefício pessoal, além do meu próprio trabalho em prol dos seus interesses como cidadão, em troca de seu voto ou seu apoio. Isso significa que, se você quer que eu lhe dê dinheiro para colar propaganda em seu carro, ou pague sua gasolina, ou qualquer outra "troca de favores espúria" do gênero, fique longe de mim, porque EU não quero o seu voto.

- Igualmente, se você pretende ajudar financeiramente a minha campanha, eu lhe agradeço e de sua ajuda prestarei contas. Mas faça-o segundo a Lei e não o faça esperando que vá lhe oferecer cargos ou benesses pessoais futuras por isso, porque o maior ganho que se pode ter advindo do trabalho de um político é o ganho social e não o pessoal. Portanto, se você se vende a troco de voto, ou barganha apoio para se beneficiar em detrimento da coletividade, associe-se a outro candidato. Eu não ofereço favores pessoais. Ofereço ganhos sociais - e o principal deles é a esperança de que as coisas podem ser diferentes e de que é possível acreditar em algo.

Porque se a esperança de que a dignidade, a seriedade e o respeito podem ser viáveis, renascer, ainda que para alguns poucos, ela contaminará a maioria, e aqueles que vivem de violentar o orgulho e a dignidade do cidadão de bem terão de ceder e retroceder. E aí todos se beneficiarão.

Obrigado por sua atenção.

Atenciosamente, José da Silva."

Infelizmente, esse candidato não existe. E se existisse, sabe quantos votos ele teria? Provavelmente o mesmo número de leitores que terá o presente texto.

E aí eu lhe pergunto: você não se sente incomodado com isso? Não se sente nem um pouco estimulado a tentar fazer algo diferente de conformar-se passivamente?
Com a resposta, seu travesseiro.

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